A QUEDA DE ADÃO E OS TRÊS ASPECTOS DA LEI

Por Frank Brito



“Deus fez o homem reto”. (Eclesiastes 7:29)

92. Que revelou Deus primeiramente ao homem como regra da sua obediência?

A regra de obediência revelada a Adão no estado de inocência, e a todo o gênero humano nele, além do mandamento especial de não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, foi a lei moral. (Catecismo Maior de Westminster)

As leis que Deus revelou a Moisés devem ser logicamente divididas em mandamentos morais, civis e cerimoniais.

Para melhor entendermos esta divisão, é importante entendermos a relação entre a Lei e a criação de Adão. O Catecismo Maior corretamente afirma que, “a regra de obediência revelada a Adão no estado de inocência, e a todo o gênero humano nele… foi a lei moral”. Vamos refletir nas implicações disso. Vamos supor por um momento como seria se ele não tivesse cedido a tentação da serpente. Se ele não tivesse cedido, não haveria pecado no mundo. O mundo continuaria da maneira que foi criado por Deus e as relações humanas seriam todas em conformidade com a vontade moral de Deus. Em relação a Deus, a ausência de pecado significa que ninguém faria coisas como inventar ídolos e falsos deuses ou adorar a criatura no lugar do Criador. Todos teriam perfeito amor por Deus. Em relação ao próximo, a ausência de pecado significa que nenhum filho desonraria seus pais, ninguém odiaria, invejaria, mataria ou roubaria seu próximo e, nos casamentos, haveria o perfeito amor e harmonia entre os casais. Não haveria o risco, por exemplo, de Bate-Seba adulterar contra seu marido Urias. Em outras palavras, as leis de Deus seriam sempre obedecidas, nunca transgredidas, por todos os homens, em relação a Deus e em relação ao próximo. Não seria necessário nem sequer revelar estas leis externamente, pois elas estariam perfeitamente escritas no coração de todos, havendo perfeita harmonia entre as leis e os pensamentos, desejos e ações dos homens.

Para que isso fique mais claro, vamos imaginar uma possível situação neste mundo sem pecado. Imagine que eu sou Jubal e você é Tubalcaim. Eu inventei um instrumento musical, o violino. Você inventou outro instrumento musical, um órgão. Então você, Tubalcaim, teve uma grande ideia: conseguir cantores para fazer apresentações musicais acompanhados do violino e do órgão em diferentes cidades do mundo. Mas, para isso, seria necessário que eu, Jubal, criasse mais violinos. Então você me procura e diz: “Jubal, como você sabe, eu inventei um instrumento musical chamado órgão. Estou sabendo que você inventou outro chamado violino e que o som que ele emite é muito bonito. Eu tive uma excelente ideia. Consegui dez excelentes cantoras para fazermos apresentações musicais em diversas cidades do mundo. Mas, para isso, eu preciso que você faça dez novos violinos pra mim. Você pode fazer? ” Mesmo em um mundo sem pecado, eu poderia aceitar ou rejeitar sua proposta. Eu poderia dizer: “Que excelente ideia, Tubalcaim, vou fazer os dez violinos que você precisa”. Ou eu poderia dizer: “Desculpa, Tubalcaim, mas infelizmente estou ocupado com um novo projeto de um outro instrumento que estou inventando. Não vou poder fazer seus violinos”. Então, você poderia me responder da seguinte maneira: “Jubal, eu quero muito que essas apresentações deem certo, então eu vou lhe fazer uma proposta. Se você parar um pouco com o seu atual projeto para fazer os meus dez violinos, eu faço vinte órgãos pra você”. Então, eu aceito a proposta.

O que nós temos em uma situação como essa? Nós temos o princípio do comércio. Tubalcaim queria algo que só Jubal tinha inventado. Ninguém mais, até então, tinha violinos. Ao mesmo tempo, Jubal tinha interesse na invenção de Tubalcaim. Então eles fizeram uma troca baseada nos interesses de cada um. Em nenhum momento em que os dois interagiram, houve pecado. Para afirmar que há pecado no princípio da propriedade privada e do comércio, teríamos que dizer que Tubalcaim poderia forçar Jubal a fabricar violinos, ou que Jubal teria a obrigação moral de parar tudo que ele estava fazendo para atender ao pedido de Tubalcaim, ou que Tubalcaim poderia pegar violinos sem pedir autorização. Na verdade, o pecado somente existiria se Tubalcaim tentasse forçar Jubal a fabricar violinos para ele (escravidão), se ele tomasse os violinos sem a autorização de Jubal (roubo) ou se ele tentasse convencer Jubal com argumentos enganosos (mentira). Mas, sem o pecado no mundo, nenhuma dessas coisas aconteceria. Desta forma, fica claro que, mesmo sem o pecado no mundo, haveria o princípio da propriedade privada e do comércio. Mesmo sem o pecado no mundo, haveria interesses pessoais, projetos pessoais e, com base nisso, haveria o comércio da produção de cada um. O princípio da propriedade privada e do livre comércio (oitavo mandamento), então, é anterior a queda e ao pecado e faz parte da ordem da criação, tanto quanto outras coisas que são exigidas pelas leis de Deus, como a necessidade de adorar o único Deus (primeiro mandamento), a instituição do casamento (sétimo mandamento) e a necessidade de dizer a verdade (nono mandamento).

Por outro lado, vamos refletir em outra lei:

“Se alguém furtar boi ou ovelha, e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas”. (Êxodo 22:1)

Aqui há um caso de roubo. Se alguém roubasse um boi, ela teria que pagar cinco bois para a vítima do roubo. Mas se esta lei lida com uma circunstância de roubo, isso significa que ela seria desnecessária e nem sequer vigoraria caso o pecado não tivesse entrado no mundo. A lei lida com ladrões. Mas se não houvesse queda, não haveria ladrões. Se não houvesse queda, a propriedade privada seria respeitada perfeitamente e, portanto, as pessoas obteriam novos bens somente por meios lícitos e nunca por meios ilícitos.

Isso reflete uma importante distinção entre leis morais e leis civis. Leis morais vigorariam e seriam obedecidas mesmo se não houvesse queda ou pecado. Ou seja, fazem parte da ordem natural da criação. Por outro lado, leis civis lidam com o problema do pecado, pressupondo que há queda, que o pecado entrou no mundo. Se não houvesse queda, então, haveriam leis morais, mas não haveriam leis civis.

O mesmo pode ser dito de leis cerimoniais:

“Falou mais o SENHOR a Moisés, dizendo: Quando alguma pessoa pecar, e transgredir contra o SENHOR, e negar ao seu próximo o que lhe deu em guarda, ou o que deixou na sua mão, ou o roubo, ou o que reteve violentamente ao seu próximo, Ou que achou o perdido, e o negar com falso juramento, ou fizer alguma outra coisa de todas em que o homem costuma pecar; Será pois que, como pecou e tornou-se culpado, restituirá o que roubou, ou o que reteve violentamente, ou o depósito que lhe foi dado em guarda, ou o perdido que achou, Ou tudo aquilo sobre que jurou falsamente; e o restituirá no seu todo, e ainda sobre isso acrescentará o quinto; àquele de quem é o dará no dia de sua expiação. E a sua expiação trará ao SENHOR: um carneiro sem defeito do rebanho, conforme à tua estimação, para expiação da culpa trará ao sacerdote; E o sacerdote fará expiação por ela diante do SENHOR, e será perdoada de qualquer das coisas que fez, tornando-se culpada“. (Levítico 6:1-7)

Se não houvesse queda, não haveria necessidade de expiação. E, não havendo necessidade de expiação, não haveria necessidade de sacrifícios de animais prefigurando o sacrifício expiatório de Cristo. Sendo assim, esta lei também pressupõe que há queda, que o pecado entrou no mundo. Se não houvesse queda, haveriam leis morais, mas não haveriam as leis cerimoniais, que prefiguravam a obra redentora de Cristo.

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Publicado originalmente aqui. Acesso em: 16 out. 2017.

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