QUEM JURA, MENTE? – CRISTO E O TERCEIRO MANDAMENTO



"Vocês também ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não jure falsamente, mas cumpra os juramentos que você fez diante do Senhor’. Mas eu lhes digo: Não jurem de forma alguma: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o estrado de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. E não jure pela sua cabeça, pois você não pode tornar branco ou preto nem um fio de cabelo. Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do Maligno". (Mateus 5:33-37, NVI)

            Você já ouviu a expressão “quem jura, mente”? Se não, esse é um adágio popular advindo de uma interpretação equivocada ou apressada do texto bíblico acima. O cenário é o chamado Sermão do Monte (ou da Montanha). Dentro desse grande discurso, há uma subdivisão na qual Cristo passa a elencar seis ilustrações de como a interpretação da Lei mosaica era pervertida pelos escribas e fariseus (vv. 21-48). Os versos 17-20 ratificam o posicionamento de Jesus quanto a Lei: "Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir” (v. 17). O pressuposto fundamental é estabelecido pelo próprio Jesus aqui, por isso é de suma importância frisa-lo. É muito comum vermos cristãos ignorantes quanto a isso. Há ainda, no senso comum evangélico, a ideia de que há uma oposição entre Lei e evangelho. E, assim, como pensavam os judaizantes[i], a ideia de que Cristo e Moisés estão em lados opostos.

CRISTO SE OPÕS À LEI MOSAICA?
           
            Com base nisso, podemos entender melhor do que Cristo está falando no Sermão do Monte. Quando Cristo diz, “nem pelo céu… nem pela terra… nem por Jerusalém… nem jurarás pela tua cabeça” (Mt 5:34-35), Ele não está falando de juramentos que eram lícitos no Antigo Testamento, mas que agora, na nova dispensação, Ele estava proibindo. Como já foi demonstrado, os comentários de Cristo no decorrer do Sermão do Monte precisam ser entendidos como esclarecimentos sobre o verdadeiro sentido dos mandamentos contra a má interpretação dos escribas e fariseus, exatamente como Ele fez no templo em Mateus 23. Pelo céu, pela terra, por Jerusalém, pela própria cabeça, eram as formas ilícitas de juramento que os escribas e fariseus praticavam e ensinavam, não formas de juramento que Deus havia ordenado. Cristo não estava combatendo os mandamentos de Deus sobre o juramento, mas a corrupção dos escribas e fariseus. Assim como em Mateus 23.16-19[ii], o que ele condenou no Sermão do Monte eram estas formas de ilícitas de juramento que os escribas e fariseus haviam desenvolvido com base na tradição dos antigos.

            Mateus 5.34, portanto, não se trata de proibição absoluta sobre todo e qualquer juramento, mas sim, dos falsos votos proferidos pelos escribas e fariseus que eram nada mais que artifícios a fim de impressionar os homens com “aparência de piedade”, subterfúgio em voga em todas as gerações (cf. 2 Timóteo 3.1-9). Se Cristo proibisse todo e qualquer juramento, ele anularia a Lei, senão, vejamos:
 “Não furtareis, nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo; nem jurareis falso pelo meu nome, pois profanarás o nome do teu Deus. Eu sou o SENHOR”. (Levítico 19:11-12, ACF)

“O SENHOR teu Deus temerás e a ele servirás, e pelo seu nome jurarás”. (Deuteronômio 6:13, ACF)

O princípio fundamental da Lei é a glória de Deus, a honra absoluta do nome do SENHOR e sua observância se estende ao próximo. A conclusão clara é que Jesus não inventou uma nova doutrina ou corrigiu a Lei, mas sem sombra de dúvidas, repreendeu os religiosos da época quanto a incorreta interpretação e prática da Lei de Deus. As Escrituras afirmam que a Lei do Senhor não é repreensível, mas sim perfeita (Salmos 19.7-14). Nós, homens mortais e pecadores, é que somos imperfeitos.

CRISTO E O TERCEIRO MANDAMENTO

É claro que Cristo não estava afirmando que todo juramento é pecaminoso. Tal qual Levítico e Deuteronômio preceituavam, o nome do SENHOR é a âncora na qual o homem temente a Ele deve se apoiar. Jesus jamais se oporia ao próprio nome de Deus, nem ensinaria os homens a não se comprometerem com o nome Excelso do SENHOR.  Cristo cumpriu cabalmente todos os mandamentos e isso, obviamente, inclui o terceiro mandamento: "Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão” (Êxodo 20:7). Mark Jones diz:
Como portador da imagem de Deus (Cl 1.15), ele revelou o Pai de modo perfeito (Jo 14.9). Falou somente aquilo que havia recebido do Pai (Jo 12.49). Em outras palavras, ele jamais tomou o nome de Deus em vão, mas falou apenas a verdade sobre o Pai e trouxe glória ao Pai por viver em conformidade com quem ele é (o Filho de Deus).

A obediência ativa de Cristo pode ser vista em todos os seus passos. Hebreus, uma epístola neotestamentária repleta de elucidações acerca da função da “Lei e dos Profetas” afirma acerca da absoluta obediência e impecabilidade de Cristo:
 “Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a firmeza à fé que professamos,pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado”. (Hebreus 4:14,15).

A Lei de Deus ordena jurar, ou comprometermo-nos pelo nome de Deus e proíbe o juramento falso, pois desonra ao SENHOR quebrando o 3° mandamento. Os escribas e fariseus, então, para não ter que jurar falsamente pelo nome de Deus, juravam por outras coisas e/ou pessoas. O Catecismo Maior de Westminster, ainda que não exaustivamente, elenca os pecados advindos da quebra do 3° mandamento [iii].

BREVES APLICAÇÕES

            Uma vez que toda a Escritura aponta a um só entendimento, ainda que o Novo Testamento traga desdobramentos e aplicações corretas da Lei, somos levados a pensar nas implicações da observância do juramento correto, ou lícito. Não basta sabermos a que proibição Jesus se referia no nosso texto inicial (Mt 5.33-37), mas como podemos obedecer em aspecto positivo ao imperativo que a Palavra nos chama. Antes, convém analisarmos dois textos do profeta Isaías, onde Deus afirma que uma das marcas distintivas de seu povo é a verdade em todos os aspectos da vida. Vejamos:
 “Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro. Por mim mesmo tenho jurado, já saiu da minha boca a palavra de justiça, e não tornará atrás; que diante de mim se dobrará todo o joelho, e por mim jurará toda a língua“. (Isaías 45:22-23, ACF, grifo meu)

e:
“Assim que aquele que se bendisser na terra, se bendirá no Deus da verdade; e aquele que jurar na terra, jurará pelo Deus da verdade; porque já estão esquecidas as angústias passadas, e estão escondidas dos meus olhos”. (Isaías 65:16, ACF, grifo meu)

Agora, é fácil entender as palavras do profeta não apenas afirmando que o próprio Deus jura/se compromete com sua própria Palavra, mas o mesmo ensina que o juramento verdadeiro – feito em nome do Senhor e para sua glória – faz parte da vida do povo da aliança. Este verso de Isaías 45 é citado duas vezes pelo apóstolo Paulo no Novo Testamento (cf. Rm 14.11; Fp 2.8-11). Em ambos os textos, vemos que “confessar a Deus” ou “confessar que Jesus Cristo é o Senhor” é tratado por Paulo como sendo análogo ao juramento por Deus.

O Rev. Frank Brito, corretamente afirmou: "Em outras palavras, “confessar que Jesus Cristo é o Senhor” significa uma promessa feita, sob juramento, de ser Seu servo, tendo-O como Senhor. Sendo assim, se todo juramento fosse proibido no Novo Testamento, Paulo não poderia aplicar o princípio de Isaías 45 ao que acontece na conversão do homem ao Evangelho". Juramos corretamente quando assumimos compromisso diante de Deus em viver para sua glória, em verdade e obediência. Se todo juramento fosse proibido jamais poderíamos assumir compromisso algum em qualquer esfera social. Em toda a nossa vida desde o casamento aos estudos e trabalho (cumprimento do juramento feito em uma formatura, por exemplo) somos desafiados a mantermos o que Cristo chamou de “sim”, “sim”; “não”, “não” (v. 37). Os mandamentos do Senhor fazem parte do nosso cotidiano e por meio do Espírito Santo somos equipados a responde-los positivamente, comprometendo-nos sempre com a verdade e submissão ao nosso bendito Deus. Nossa adoração quer seja privada, ou pública (culto solene) depende desse entendimento e compromisso (João 4.23-24).




[i] Os judaizantes eram uma seita de cristãos primitivos que acreditavam que os gentios deveriam se converter ao Judaísmo a fim de aceitar Jesus como Messias. Para os judaizantes isto significava, dentre outras coisas, observar a circuncisão, os dias das festividades judaicas e as dietas alimentares previstas na Lei [de Moisés]. Mas os Apóstolos concluíram que a salvação se dá através da fé em Cristo (uma condição que não exige a observância do direito consuetudinário do Antigo Testamento), de modo que os gentios – e obviamente também os judeus-cristãos – não estavam obrigados a manter os costumes judaicos como pré-requisito para se tornarem membros da Igreja (Gálatas 5,6).
[ii] Compare Mateus 23.16-19 com Malaquias 3.1,2,5, entendendo o texto de Mateus como cumprimento do que havia vaticinado o profeta Malaquias. Cristo é o Anjo da Aliança, ao passo que João Batista é o “(...) mensageiro, que preparará o caminho diante de mim” (Malaquias 3:1). No templo, Cristo, em Mateus 23-16-19, cumpre os versos 2 e 5 de Malaquias 3, à medida em que confronta os escribas e fariseus e sua religiosidade falsa e imunda.
[iii] Catecismo Maior de Westminster, p. 113: Quais são os pecados proibidos no terceiro mandamento? Os pecados proibidos no terceiro mandamento são: o não usar o nome de Deus como nos é requerido e o abuso no uso dele por uma menção ignorante, vã, irreverente, profana, supersticiosa ou ímpia, ou outro modo de usar os títulos, atributos, ordenanças, ou obras de Deus; a blasfêmia, o perjúrio, toda abominação, juramentos, votos e sortes ímpios; a violação dos nossos juramentos e votos, quando lícitos, e o cumprimento deles, se por coisas ilícitas; a murmuração e as rixas, as consultas curiosas, e a má aplicação dos decretos e providência de Deus; a má interpretação, a má aplicação ou qualquer perversão da Palavra, ou de qualquer parte dela; as zombarias profanas, questões curiosas e sem proveito, vãs contendas ou a defesa de doutrinas falsas; (...). Texto integral e referências bíblicas acessíveis online através do link.

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