O NONO MANDAMENTO NA ERA DA INFORMAÇÃO: BOATOS, INTRIGAS E FOFOCAS


                                                         Habemus Internet!

A
geração atual é descrita por sociólogos e estudiosos do comportamento como "Geração Z", o que pode ser resumido com o termo nativos digitais. Já nasceram na era da Internet e dos aparelhos tecnológicos, da conectividade e multifuncionalidade. Em meados dos anos 90, eu jogava Doom I e II no computador de um amigo e mal sonhava em um dia acessar de minha própria casa o mundo através da Internet. O 3.11 do meu amigo custava uma nota e só depois de um tempo, já com o revolucionário Windows 95, pude usufruir de um PC (ou  personal computer)... sem Internet! Um sistema operacional depois desse - o 98 - e uma conexão discada que fazia um barulho inconfundível, finalmente apresentava a grande rede a alguns, até a era da banda larga, a popularização das lan houses e a relativa proliferação de conexões Brasil afora.

A Internet e o boato

A web no país ainda era incipiente e cara - não mudou muito (risos), mas tão logo isso aconteceu e as lendas e boatos começaram a surgir. Umas bizarras, outras mais sofisticadas. Outras recentemente requentadas, como a onda do chip da Besta.  No meio disso tudo há sempre um inocente que acredita piamente na informação passada, podendo ser lesado por golpistas ou, no mínimo, passar por situação constrangedora. Isso me faz formular uma pergunta séria: Se há inocentes caindo em correntes e 'contos do vigário', quem engendra todas essas coisas?

Sendo mais preciso... É certo que há pessoas não investindo em armações a fim de lesarem outros, mas criando ou repassando factoides e boatos infundados sem responsabilidade alguma com a verdade. As redes sociais, de repente, transformaram-se em arenas de disputas ideológicas, o que pode significar um crescente e sadio interesse por Política, Economia e Religião, contrariando o adágio popular de que tais coisas - aliadas ao futebol - não se discutem.  Ou não! Na seara dos debates, tenho percebido muitos compartilhando informações e denúncias aos borbotões sem atentarem, muitas vezes, para a veracidade do que se está repassando.

O Nono Mandamento

As Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, revelam um Deus zeloso, que abomina contendas (Pv 6.16-19) e discórdias (Fp 4.2). No afã de defender ideias e posicionamentos, alguns têm passado dos limites, militando uns contra os outros e causando embaraço ao bom testemunho cristão, levantando até mesmo acusações que não se podem provar. Todo o sistema judicial hebreu era baseado no testemunho. Todas as provas eram colhidas a partir das falas das testemunhas (cf. Dt 19.15-21). Uma palavra podia salvar ou condenar até mesmo a pena capital.

A afirmação categórica e preceitual de Êxodo 20.16 é solene e essencial: "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo". A expressão "falso testemunho" evoca diretamente a mentira num julgamento. Até hoje o testemunho falso é condenado. Num tribunal, as testemunhas são obrigadas a dizer a verdade, tão somente a verdade, para que se produza a justiça.

Já no período do antigo Israel, uma pessoa que testemunhasse falsamente contra outra devia ser punida com a pena que o injustamente acusado deveria receber. (Se uma testemunha falsa quiser acusar um homem de algum crime, os dois envolvidos na questão deverão apresentar-se ao Senhor, diante dos sacerdotes e juízes que estiverem exercendo o cargo naquela ocasião. Os juízes investigarão o caso e, se ficar provado que a testemunha mentiu e deu falso testemunho contra o seu próximo, deem-lhe a punição que ele planejava para o seu irmão  - Dt 19.16-19). O ideal bíblico é transparente: A testemunha sincera não engana, mas a falsa transborda em mentiras (Pv 14.5). O Código Penal brasileiro (Artigo 342) pune com um a três anos de reclusão e multa aquele que fizer "afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha em processo judicial ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral".

O Juízo Temerário e o Nono Mandamento

Um dos textos mais mal compreendidos e deturpados é Mateus 7.1-5.  Atentemos ao que diz Jesus na passagem citada:
Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.
É falso testemunho emitir julgamento indevido contra alguém. Notemos que Jesus não nos disse para não julgar, porque isto é impossível, mas que primeiro nos julgássemos a nós mesmos. "Cristo não nos impôs a abstenção de jamais julgarmos". O que Ele pede é que devemos nos julgar a nós mesmos antes de julgar os outros. "Reconhecendo a malignidade potencial dos julgamentos morais, Ele nos instruiu não para que nos abstivéssemos em qualquer circunstância de os emitir, mas para que nos purifiquemos antes de os emitir. Aqui é onde os malignos fracassam. É a autocrítica o que eles evitam". (PECK, M. Scott. O  povo da mentira. Rio de Janeiro: Imago, 1992, p. 309).

A Quebra do Nono Mandamento

É falso testemunho criar ou repetir informação sobre alguém sem o cuidado do amor. Uma das expressões mais eloquentes do falso testemunho é a fofoca, essa filha da arrogância, que se traduz em termos de informação irresponsável sobre alguém, do dito maldoso, do disse-me-disse irrefletido, do comentário em segredo sobre alguém, da intromissão descaridosa na vida de alguém.

Numa igreja local, a fofoca é o pecado que mais danos provoca. Somos criativos nesta arte. Somos capazes até de cometer o sacrilégio de usar a oração para informar, como quem não queremos nada, sobre as vidas dos outros. Já na igreja de Tessalônica (2Ts 3.11) o mal rondava a comunidade.

Na cultura de massa contemporânea, fofoca vende revistas aos milhares e dá uma boa audiência a programas de televisão. E a razão do sucesso é muito simples: as pessoas têm prazer em saber coisas acerca das vidas das pessoas, principalmente se tiveram alguma fama, mesmo que fabricada para o circuito da fofoca. Em resumo: há revistas e programas de fofocas porque há quem os consuma. A maldade foi transformada em passatempo.

O Coração Como Foco

O Brasil vive um período de crise política, social e econômica, talvez sem precedentes. Todos os dias os escândalos vêm à tona, causando revolta e indignação em quem quer que tenha o mínimo de senso crítico. Todavia, muitos cristãos têm se esquecido que Deus jamais perde a regência do Universo. O que para nós é caos, para Ele está sob controle absoluto. Em períodos como esse precisamos encorajar nosso próprio coração a denunciar o pecado e os desmandos sociais, como parte da vocação profética (proclamadora) da Igreja. Todavia, não nos esqueçamos que o Evangelho não é uma ideia ou ideologia, mas o próprio Cristo Jesus. Ele (Jesus), advertiu a todos de que o foco gerador de mentiras e toda sorte de maldades é o coração (Mateus 12.34-37). Por isso, antes de denunciar, propagar ou compartilhar qualquer coisa que seja, que envolva o meu próximo - seja ele o político de quem discordo frontalmente, ou um familiar -  devo examinar se meu coração está, de fato, comprometido com a verdade e o bem comum, ou visa apenas extravasar a maledicência e o falso testemunho contra outrem.

Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida. (Provérbios 4.23)

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