CASAMENTO E FINANÇAS: Até que a crise nos separe?


O desafio de tratar de temas como esse é o de se expor como modelo perfeito ao melhor estilo “passei por problemas nessa área, superei e agora trago a receita do sucesso”. Sou muito honesto comigo mesmo e com as ovelhas que o Senhor me confiou como pastor. Por isso, prefiro pensar e afirmar que também enfrento lutas nessa e em outras áreas e, como discípulo de Cristo, também me esforço para entender e vencer meus obstáculos pessoais ajudando outros no caminho. Não tenho pretensão alguma de fornecer um guia sobre o tema, nem enveredar pela literatura da auto-ajuda. Entendendo que a própria Palavra de Deus é suficiente para tratar-nos em absoluto a respeito de todas as coisas que conduzem à vida e à piedade (2 Pedro 1.3), convido você a vir comigo e investir um tempo lendo esse pequeno e introdutório artigo.

Até que a crise nos separe?

“Até que a crise [financeira] nos separe”. De fato, temos que concordar que infelizmente muitos divórcios ocorrem por questões financeiras. Estatísticas comprovam isso, e de quando em vez ganham manchetes e artigos em publicações especializadas, como a da ISTOÉ Dinheiro 05/2010: “Questões financeiras são determinantes para influenciar o divórcio de casais”. Interessante observar que das 28 parábolas de Jesus 16 são sobre dinheiro. Nas Escrituras encontramos 215 versos sobre , 218 sobre salvação, mas 2084 sobre dinheiro! Obviamente, o foco do texto sagrado não é o dinheiro em si, mas o fio condutor é exatamente o modo como lidamos com os recursos financeiros (1 Timóteo 6.10). O Antigo e Novo Testamento expõe nossa propensão a erigir um altar em nossos corações, cujo deus é o dinheiro. 

Não é fácil manter um bom relacionamento quando se tem muito tempo despendido para se ganhar dinheiro, de modo que não sobra quase nada para o casal. Um dos homens mais ricos do mundo, o multimilionário americano Jean Paul Getty (1892-1976)¹, depois de cinco casamentos seguidos de cinco divórcios, em sua auto biografia se questiona dizendo: “Como e por que foi possível para mim construir meu próprio automóvel, perfurar poços de petróleo, construir uma fábrica de aviões, erigir e liderar um império financeiro – mas não fui capaz de manter ao menos uma relação marital satisfatória?” Todo o sucesso financeiro e profissional possível nesta vida, não irá substituir a satisfação de um relacionamento íntimo, consistente e duradouro. Jean reconhecia que o seu sucesso o consumia demasiadamente, quando disse: “Quando não se tem dinheiro, pensa-se sempre nele. Quando se tem, pensa-se somente nele.”.

A classe média alta brasileira é escrava do “alto padrão” dos supérfluos:

A demanda da nossa sociedade tem corroído a alegria do casal. Aquilo que era luxo no passado se tornou necessidade no presente. Na década de 1950, nós consumíamos cinco vezes menos do que hoje. Na década de 1970 mais de 70% das famílias dependiam de apenas uma renda para sustentar a família; hoje, 70% das famílias dependem de duas rendas para manter o padrão. (Hernandes Dias Lopes).

"Administrar essa estrutura que acaba se tornando
cada vez maior e complexa – acaba fazendo com
que
 o conforto se transforme em escravidão sem
que a “vítima” se dê conta disso.

Adriana Setti/Época.
Em um texto da Revista Época, uma jovem brasileira que vive há vários anos na Europa, relata a experiência que seus pais tiveram ao viverem um tempo com ela no “velho mundo”.  O título do artigo da revista é sugestivo “Como a classe média alta brasileira é escrava do “alto padrão” dos supérfluos”. Desta forma ela descreve como que seus pais, empresários bem sucedidos no Brasil, reaprenderam a viver depois de um tempo vivendo o estilo de vida da classe média europeia. Mesmo com todo o sucesso financeiro, seus pais viviam esgotados e estressados para manterem o alto padrão e diziam para a filha: “Quero uma vida mais simples como a sua”. Depois do “estágio” na Europa, seus pais reformularam a vida e passaram a viver melhor. “A classe média europeia não está acostumada com a moleza.” Diz a brasileira. “Toda pessoa normal que se preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo totalmente desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e, portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade do dia a dia.”

Por outro lado, ela alerta que “o nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média alta brasileira (que um europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios) acaba gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais. E isso sem falar na questão moral e social da coisa. Babás, empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio, casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o sonho de qualquer um, claro. Só que, mesmo em quem se delicia com essas coisas, a obrigação auto imposta de manter tudo isso – e administrar essa estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a “vítima” se dê conta disso.” Adriana Setti – Fonte: Revista Época (leia o texto na íntegra aqui).

Já entendi, mas e aí? (Aplicações gerais):

Diante disso tudo talvez você esteja me praguejando, perguntando se o que tenho a aconselhar é sugerir que um dos cônjuges deixe o emprego e sejam felizes para sempre. Claro que não se trata disso – pode até ser o seu caso, mas de maneira geral, concluo com alguns princípios. 

I. Seja companheiro (a): Uma das consequências diretas da queda foi o surgimento da culpa e o jogo de empurra (Gênesis 3.12). Se a crise financeira se estabelece por irresponsabilidade de um dos cônjuges é evidente que ele ou ela precisa ser confrontado, mas é de suma importância que uma vez o leite derramado não adianta disputar por razão. É hora de se unir: Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante (Eclesiastes 4.9,10, grifo meu). O que ambos precisam ou precisarão fazer para que a crise seja sanada e por fim solucionada? Cortar gastos, repensar investimentos, eliminar supérfluos, etc. Por fim, é hora de lembrar os votos aliançados no casamento: “na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença (...)”.

II. Não saia do orçamento: Dica básica e óbvia, mas que nem sempre é seguida por todos nós. Isso, claro, presume o estabelecimento de um orçamento. Lembro-me que um dos primeiros passos que minha esposa e eu demos em direção ao noivado e casamento, foi anotar – num guardanapo mesmo – nossas receitas e saídas (despesas). Isso fez com que não tivéssemos problemas? Não. Nunca saímos do orçamento? Também não. Mas estabelece para nós um padrão, um fundamento no qual podemos projetar e sempre que cairmos na tentação da linha, saber pra onde voltar.

III. Seja honesto e humilde: Indo direto ao ponto, isso significa não mentir/esconder nada do cônjuge e compartilhar decisões com ele. É crucial viver na perspectiva de que sozinhos, em geral, somos mais rápidos, porém, juntos podemos ir mais longe. Pedir ajuda da esposa ou esposo na administração do lar é uma maneira de envolvimento sadia e humilde. A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda (Provérbios 16.18).

IV. Não existe essa de ‘meu dinheiro’: No dia a dia, se o casal dispõe de duas rendas, algumas despesas e compromissos podem ser divididos. Em geral é assim que funciona. Porém, não consigo conceber a ideia de casais cristãos que dividem os recursos como “meu” e “seu” dinheiro. Se sou um com meu cônjuge (Gênesis 2.24), como posso excluir a provisão financeira dessa realidade?


    V. Conforto é ótimo, mas não pode ser tudo: Quem não deseja uma casa confortável? Nada mais natural. Porém, quando uma vida confortável é meu projeto de vida pessoal e/ou familiar, algo está errado. Glorificar a Deus auxiliando o marido e liderando a esposa é o maior projeto que uma família pode ter. Se há filhos, a genuína educação cristã deles depende essencialmente do cumprimento da árdua missão do casal. O temor do SENHOR precede qualquer bem estar familiar (leia Salmos 128).

Concluo com a beleza e profundidade da literatura poética-sapiencial de Provérbios: 

Melhor é um bocado seco e tranquilidade do que a casa farta de carnes e contendas (Provérbios 17.1).


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¹Jean Paul Getty foi um industrial estadunidense fundador da Getty Oil Company (adquirida posteriormente, em 1984, pela Texaco). Nasceu no seio de uma família dedicada à indústria petrolífera (era filho de George Franklin Getty), e foi um dos primeiros homens a atingir uma fortuna superior a 1 bilhão de dólares. Ávido colecionista de arte e de antiguidades, a sua coleção e a sua mansão de Malibu foram a base do Museu J. Paul Getty na Califórnia.

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