GUARDARÁS A MINHA ALIANÇA, TU E A TUA DESCENDÊNCIA: O Batismo Cristão na Perspectiva Bíblico-Reformada (Parte II)
No post anterior, lancei um breve comentário sobre a unicidade da igreja nos dois
testamentos. A princípio, a linguagem pode soar maçante para quem não está
minimamente familiarizado com a terminologia teológica. Sem mais delongas, passemos a
tratar sobre o que não é batismo.
ATESTADO DE SALVAÇÃO?
Primeiramente, é preciso ressaltar
que o batismo não é necessariamente um atestado de salvação, um sinal visível
de que a pessoa está incondicionalmente
salva. Não se trata de um rito de
admissão pública na igreja invisível,
mas na igreja visível – e esta inclui
salvos e não salvos[i].
Conforme argumenta o apóstolo Paulo:
E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa. (Romanos 9.6-8)
Existem vários exemplos de membros
professos na igreja no Antigo e Novo Testamento, os quais foram circuncidados
ou batizados, mas nunca experimentaram o lavar regenerador do Espírito Santo. Os
sucessivos reis após a divisão da monarquia em Israel entre os reinos do Norte
e do Sul, são marcados por serem apóstatas e levarem o povo à apostasia[ii].
Auxiliares diretos de Paulo, como Demas, abandonaram a fé cristã por amarem o
presente século (2 Timóteo 4.10). Tais pessoas são “incircuncisas de coração”
(Jeremias 9.26; Atos 7.51). Eles trazem o sinal da circuncisão ou do batismo,
mas não a realidade que eles representam (cf. Mateus 7.22-23).
MEIO DE SALVAÇÃO?
O batismo também não é um instrumento
de salvação. O único meio de salvação, segundo a Bíblia, é a graça de Deus,
mediante o arrependimento e a fé, operados exclusivamente por meio da Palavra
de Deus lida ou pregada. O batismo não tem poder divino inerente. Em si mesmo,
ele não pode regenerar ninguém. A chamada doutrina da regeneração batismal é
ensinada pela Igreja Católico-Romana. Para a Igreja de Roma, o batismo confere o
mérito de Cristo e o poder do Espírito Santo, purificando da corrupção interna,
garantindo remissão da culpa do pecado e a infusão da graça santificadora,
unindo o batizado com Cristo, abrindo-lhe as portas dos céus[iii].
Na teologia católico-romana, a eficácia do batismo não depende nem dos méritos
do oficiante (sacerdote), nem dos méritos do batizado, mas do próprio rito em
si.
Para nós, reformados, entretanto, o
batismo não é eficaz em si mesmo. Ele não a opera uma nova vida. Ele a pressupõe e fortalece, mas não
opera nem garante, como declara a Confissão de Fé de Westminster:
Posto que seja grande pecado desprezar ou negligenciar esta ordenança, contudo, a graça e a salvação não se acham tão inseparavelmente ligadas com ela, que sem ela ninguém possa ser regenerado e salvo os que sejam indubitavelmente regenerados todos os que são batizados. (Lc.7:30; Ex. 4:24-26; Dt. 28:9; Rm. 4:11; At. 8:13, 23)[iv].
É preciso
ressaltar, como faz Pierre Marcel, que, à luz das Escrituras diz:
A Palavra ouvida e crida, antes e depois do batismo, contém todos os dons os quais são plenamente alcançados mediante a fé. Não existe um só dom que não possa ser comunicado pela Palavra, e sim pelo sacramento[v].
ESSENCIAL À SALVAÇÃO?
A Igreja Católica considera que o
batismo é necessário para a salvação. Nós, protestantes, não pensamos assim. O batismo
é obrigatório, por obediência aos preceitos de Deus – e a nossa desobediência a
esse preceito naturalmente resulta em empobrecimento espiritual, como acontece
com a desobediência a outros preceitos bíblicos. Entretanto, essa concepção do
batismo como essencial à salvação é contrária ao caráter espiritual do
evangelho, que não condiciona a salvação a formas externas (João 4.21-24). O ladrão
arrependido na cruz é evidência incontestável desse fato. Jesus afirmou que
naquele mesmo dia ele estaria consigo no paraíso, apesar de não haver recebido
o sacramento do batismo.
Do ponto de vista protestante,
considerar o batismo como indispensável à salvação significa atribuir a essa ordenação
bíblica um caráter supersticioso, incompatível com o evangelho de Cristo.
Na
próxima postagem, tratarei sobre a relação entre a circuncisão do Antigo
Testamento e o batismo no Novo Testamento. Note, é impossível entender
adequadamente o pedobatismo (batismo infantil) sem tratar desses pormenores.
[i] Na teologia clássica, nos estudos de
eclesiologia (a doutrina da igreja), há o costume de se estabelecer distinção
entre a igreja “visível” e a “invisível”. Calvino tratou deste tema no Livro IV
de suas “Institutas”. O Catecismo Maior de Westminster também fala a respeito
disso em suas perguntas 61-65, e a Confissão de Westminster, no capítulo 25.
Tal distinção não é invenção protestante: Agostinho já havia falado sobre a
igreja como “corpus permixtum”
(“corpo misto”) onde joio e trigo estão lado a lado. Em definição simples, a
igreja visível é a igreja enquanto uma instituição que enxergamos visivelmente
no mundo. Ela tem uma lista de membros em seu rol, e podemos identificá-los.
Consequentemente, a igreja invisível
é aquela totalidade dos eleitos em Cristo, salvos em todas as épocas, cujo
número só é conhecido por Deus. Veja mais aqui em A Igreja Visível e a Invisível, de R.C. Sproul. Disponível aqui.
[ii] Jeroboão (1 Reis 12:28-32); Acabe (1 Reis
16:30-33); Acazias (1 Reis 22:51-53); Jeorão (2 Crônicas 21:6, 10, 21:12-15);
Acaz (2 Crônicas 28:1-4); Manassés (2 Crônicas 33:1-9); Amom (2 Crônicas
33:22); Roboão (1 Reis 14 :22-24; 2 Crônicas 12:1) e tantos outros.
[iv] Capítulo XXVIII, § V.
[v] El Bautismo: Sacramento del Pacto de
Gracia (Rijswijk: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1968).
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