ENCONTRANDO CONTENTAMENTO NA AFLIÇÃO
Não precisamos de dicionário para
saber o significado de expressões como sofrimento,
dor, adversidade ou aflição. Todos
nós conhecemos de perto – uns mais, outros menos – todos esses termos sinônimos.
Seu caráter universal faz com que ao longo da história tenhamos, cada um, nossa maneira de lidar com isso. Uma das
formas mais comuns de tratar a respeito é a chamada literatura de autoajuda,
que tantos dividendos trazem aos seus autores, e tanta confusão e vazio legam
aos seus leitores. Existe, porém, alternativa a
toda essa abobrinha. Uma conhecida frase de Lutero me faz recordar do fracasso da autoajuda em dar respostas genuinamente cristãs ao descontentamento, ela diz: "O maior desastre com que Deus pode afligir os homens é deixá-los passar fome de sua Palavra". Compartilho aqui, trecho de um dos capítulos
de O Segredo do Contentamento [The Secret of Contentment], de William B. Barcley (Ed. Nutra, 2014). Tendo a carta de Paulo aos Filipenses como ponto
de partida, e examinando as demais Escrituras, Barcley[1] nos leva a perceber que o apóstolo Paulo e outros fiéis,
aprenderam por meio das circunstâncias providas por Deus, agradáveis ou não,
ser possível viver contente com as coisas que temos. Pequenas intervenções minhas serão
percebidas entre colchetes. Desfrutem![2]
***
A aflição é nosso maior teste de contentamento. Quando nosso
mundo está desmoronando, a confiança na soberania de Deus vacila e uma
disposição mental, antes pacífica, cede à inquietação. Quando nossa fé é
desafiada temos a oportunidade de descobrirmos até onde vai o nosso
contentamento. (...) Paulo aprendeu o segredo de estar contente em cada
situação da vida. O livro de Filipenses demonstra isso, a começar pelo fato de
que Paulo escreveu essa alegre carta quando estava na prisão. O que o sustentou
durante suas dificuldades e provações? O motivo do contentamento de Paulo em
meio ao seu sofrimento é o reconhecimento de que as aflições são inevitáveis
(...) ele diz a Timóteo que “todos quantos querem viver piedosamente em Cristo
Jesus serão perseguidos”. (2 Timóteo 3.12). É algo simplesmente inevitável, mas
principalmente, é um dom. Paulo escreve aos filipenses: “Porque vos foi
concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele”.
(Filipenses 1.29). Tanto crer quanto sofrer são “concedidos” e isso significa
que são dons de Deus. (...)
No primeiro capítulo de Filipenses, Paulo oferece uma análise
de sua prisão atual. Essas palavras nos ensinam várias lições [cf. Filipenses 1.12-18]:
1. Encontramos contentamento quando
transformamos nossas aflições em misericórdias
Em primeiro lugar, encontramos
contentamento em meio à aflição quando reconhecemos que Deus está trabalhando
em nossas dificuldades. Quando fazemos isso, passamos a enxergar nossas
aflições não mais como dificuldades ou inconveniências, mas como misericórdias
de Deus. Paulo deixa claro que seu aprisionamento além de não ter impedido a
proclamação do evangelho, o fez avançar. Primeiro, o evangelho é pregado entre
a guarda do palácio (...).
Além disso, a prisão dele encorajou
outros a pregarem o evangelho sem medo. Outros cristãos se dispuseram a pregar
Cristo durante o tempo em que Paulo esteve confinado. Longe de se intimidarem
com as circunstâncias que o apóstolo enfrentava, eles se encorajaram e fizeram
o que Paulo não podia fazer. A propósito, esse padrão se repete na história da
Igreja.
Há vários anos, um missionário
chamado Chet Bitterman, tradutor da Bíblia na Colômbia pelo Instituto Wycliffe,
foi feito prisioneiro por um grupo guerrilheiro e ficou no cativeiro por sete
semanas. Por fim, foi morto a tiros. Isso impediu outros cristãos de entrarem
na obra missionária? Pelo contrário. O Instituto Wycliffe relata que, no ano
seguinte, dobrou o número de pessoas se inscrevendo para realizar ministérios em
outros continentes. Tertuliano, um dos pais da igreja, disse uma frase que
ficou muito conhecida: “O sangue dos mártires é a semente da igreja”. (...)
O fato de que provações vêm tanto da
parte de homens pecadores quanto de Deus é difícil de entender, mas é coerente
com o ensino bíblico. Os irmãos de José o odiaram, maltrataram e o venderam
como escravo [cf. Gênesis 37]. Entretanto,
embora José não aprovasse as ações pecaminosas de seus irmãos, ele sabia que
Deus estava no controle e atuando: “intentastes o mal contra mim; porém Deus o
tornou em bem” (Gênesis 50.20). Uma parte importante do processo de
transformação de nossas aflições em misericórdias é desenvolver uma visão da
soberania de Deus em todas as coisas, reconhecendo que Ele faz tudo para Sua
glória e para o nosso bem espiritual. Uma das passagens mais comoventes dos
escritos de João Calvino é sua reflexão sobre a morte de seu filho. Após descrever
seu pesar, Calvino fala a respeito de Deus: “Mas Ele é o nosso Pai: Ele sabe o
que é melhor para Seus filhos”[3]. Isso
é parte do mistério do contentamento. Ele difere radicalmente do pensamento do
mundo que diz que o contentamento é obtido quando ficamos livre dele.
2. Encontramos contentamento quando
respondemos as circunstâncias de maneira agradável a Deus
Em segundo lugar, aprendemos com o
exemplo do próprio apóstolo em Filipenses
1.12ss que o contentamento é o resultado de agirmos da maneira que Deus
espera. Paulo diz: “as minhas cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de
toda a guarda pretoriana e de todos os demais” (v. 13). Como a guarda
pretoriana ficou sabendo que Paulo estava preso por causa de Cristo? A resposta
é: Paulo os fez saber. Ele continuou pregando Cristo enquanto estava preso.
Paulo poderia ter visto sua prisão como um impedimento à sua missão de levar o
evangelho aos confins da terra. Poderia ter sentado, orado e esperado para ser
solto para só então, retomar seu “verdadeiro” ministério. Em vez disso, viu sua
prisão como uma oportunidade. Ele fez aquilo que deveria como cristão naquela
condição. (...)
A pergunta que o cristão contente
faz é: como devo responder numa determinada situação? Fazendo o que Deus
espera, e isso é fundamental para a fidelidade cristã e para o contentamento
cristão. Talvez nós não estejamos onde gostaríamos de estar. Não há nada
pecaminoso em querer que as circunstâncias mudem nem em orar por isso. Mas precisamos
buscar como podemos servir a Cristo onde estamos agora. (...) O cristão que
busca a santificação e o contentamento diz: “Ajude-me a ficar contente nesta
situação e a cumprir minha responsabilidade nela”. (...)
Burroughs usa a ilustração de
crianças tentando alcançar as nuvens ao subirem em uma colina. Quando chegam ao
topo, percebem que as nuvens estão altas demais para alcança-las. Porém, elas
avistam outra colina ao longe e pensam: Ah! Se a gente pudesse chegar ao topo
daquela colina, conseguiríamos tocar as nuvens. Assim acontece conosco. Somos tentados
a pensar: Ah! Se minhas circunstâncias mudassem, eu ficaria contente. Com grande
frequência a situação chega a mudar, mas nós continuamos descontentes. Nosso foco
precisa estar no que Deus nos chamou a fazer naquele momento, naquela situação
na qual Ele nos colocou.
3. Encontramos contentamento quando
conformamos nossa vontade à vontade de Cristo
Em terceiro lugar, encontramos
contentamento na aflição quando conformamos nossa vontade à vontade de Cristo. Quando
estamos concentrados em nós mesmos, nosso foco permanece em nossos problemas e
na busca por alívio. Quando somos afligidos e nos concentramos em nós mesmos, o
descontentamento é o resultado inevitável. Daí a necessidade de aprendermos a
entregar nossos desejos a Cristo e a sermos controlados pela vontade Dele. Paulo
serve como um ótimo exemplo disso em Filipenses
1. Nos versículos 15 a 18, Paulo menciona aqueles que pregaram Cristo
encorajados por seu encarceramento. Aqueles pregadores tinham motivações diferentes.
Alguns pregavam a Cristo de boa vontade e por amor, levando adiante o
ministério de Paulo (...) outros, contudo, pregavam Cristo por inveja e
rivalidade, buscando até aumentar as aflições de Paulo na prisão. (...)
No entanto, Paulo se alegra porque
Cristo está sendo pregado. Com certeza, o apóstolo não desejava enfrentar
aquela aflição nem aqueles pregadores contra ele. Entretanto, Paulo não se
inquietava por causa deles, por causa de suas motivações nem da aflição que
eles lhe acrescentavam. Pelo contrário, ele conformava sua vontade à vontade de
Cristo. O maior bem é a glória de Cristo. Cristo estava sendo pregado e Paulo
ficava contente com isso. (...). Isso requer o desenvolvimento de uma visão Teocêntrica
e Cristocêntrica (...).
Há pouco tempo, estava no carro com minha filha de doze
anos ouvindo com ela um CD com os maiores sucessos da música cristã do ano
anterior. Do começo ao fim, as músicas só falavam ou em “eu” ou em “mim”: “Quero
te sentir”; “Envolve-me em teus braços”; e havia até uma música que pedia
(suponho) a Cristo: “Beija-me”. Começamos a conversar sobre as músicas (...)
lhe disse simplesmente para que tomasse cuidado com músicas que exaltam demais
nossas experiências pessoais em vez de exaltarem a Deus.
Não há nada de errado em expressar minha própria experiência ou
meus desejos. Os salmos frequentemente falam na primeira pessoa do singular,
mas, de forma muito mais significativa, nos ensinam a tirar os olhos de nós
mesmos e a nos concentrar nos planos e nos propósitos soberanos de Deus. O Salmo 73 é um maravilhoso exemplo
disso. O salmista relata que “quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que
se desviassem os meus passos” (v. 2). Ele teve inveja dos ímpios por sua
prosperidade e por sua vida aparentemente livre de problemas. (...) Isso
continuou “até que entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles” (v.
17). No santuário, sua visão firmou-se em Deus e ele começou a ver os
propósitos e os planos Dele. Seus desejos se conformaram aos desejos de Deus e
seu espírito perturbado encontrou paz. Esse salmo é instrutivo porque nos
indica que há lugar para registrarmos nossas queixas e relatarmos as experiências
da nossa alma. O contentamento, porém, só vem quando tiramos os olhos de nós
mesmos e descansamos no controle soberano de Deus.
4. Encontramos contentamento quando buscamos
o bem dos outros em meio à nossa aflição
Em quarto lugar, encontramos contentamento
quando buscamos o bem de outras pessoas, mesmo em meio à nossa aflição. Quando paramos
e olhamos o quadro maior de Filipenses 1.12-18, fica claro que Paulo escreveu
esse trecho para consolar e animar os filipenses. Eles estão preocupados com a
situação de Paulo. Estão experimentando angústia, mas Paulo escreve para lhes dizer
que Deus tem tudo sob controle e que não precisam se preocupar com ele. Podemos
ter uma boa ideia do que havia no coração de Paulo ao ler os versículos 19 a
26, quando ele contempla seu próprio futuro, especialmente no que diz respeito
a sua atual prisão. Ela terminará em morte ou libertação? Vemos seu maior
desejo no verso 20: que pela morte ou pela vida, Cristo seja honrado em seu
corpo. Mas então, vemos dois desejos conflitantes. Um é o de dar continuidade
ao seu ministério nesta vida. O outro é partir e estar com Cristo, que segundo
Paulo: “incomparavelmente melhor” (v. 23). Por fim, ele se dispõe a abrir mão
desse desejo pessoal em favor dos filipenses, pois para o progresso deles na fé
é mais necessário que Paulo permaneça na carne (vv. 24-26). (...)
Seu contentamento brota de um
coração que bate por amor às pessoas. Um ministro amigo meu disse certa vez que
quando ele fica abatido e desanimado, sai para visitar algumas pessoas e
ministrar a elas. Essas visitas o fazem tirar os olhos de si mesmo e o impedem
de ficar preocupado com seus próprios problemas. Aqueles que estão no
ministério podem testemunhar que muitas das vezes que tiveram que consolar
santos em leito de morte, acabaram sendo encorajados e animados pela fé e pelo
testemunho daqueles irmãos. O santo em aflição frequentemente se torna fonte de
consolo e encorajamento a outros. (...) É dentro desse contexto mais amplo que
Paulo faz a declaração de Romanos 8.28, de que todas as coisas cooperam para o
bem daqueles que amam a Deus. A pergunta é, acreditamos nisso? Acreditamos que
nossas dificuldades, nosso sofrimento, nossa dor cooperam para o bem daqueles
que amam a Deus? É claro que “bem” não significa tranquilidade ou ausência de
sofrimento. Os propósitos de Deus, porém, têm como alvo nosso bem espiritual,
qualquer que seja o caminho físico ou emocional que conduza a ele.
_____________
[1] William
B. Barcley é pastor da Sovereign Grace
Presbyterian Church em Charlotte, Carolina do Norte. É também professor
adjunto de Novo Testamento no Gordon-Conwell
Theological Seminary e no Reformed
Theological Seminary. Anteriormente, foi professor de Novo Testamento e
deão acadêmico no Reformed Theological
Seminary em Jackson, Mississippi, e serviu como pastor da Lebanon Presbyterian Church em Learned,
Mississippi. Ele possui um BA em Estudos Bíblicos pelo Gordon College, um MA em Estudos Teológicos pelo Gordon-Conwell Theological Seminary e um
PhD em Novo Testamento pela Boston
University. Dr. Barcley e sua esposa Kristy têm seis filhos.
[2] Barcley, B. William O
Segredo do Contentamento, Ed. Nutra, 2014, pp. 87-103.
[3] Stauffer,
Richard. The Humanness of John Calvin:
The Reformer as a Husband, Father, Pastor & Friend, Solid Ground Christian
Books, Vestavia Hills, AL, 2008, p. 42.
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