O CORAÇÃO DA DEPRESSÃO
Volto a
tratar sobre depressão no blog. Já estive às voltas com esse mal e lido com ele
no ministério pastoral quase que diariamente. Não é algo a ser resolvido apenas
com uma rápida conversa e diagnóstico superficial. São diversas as causas para a
depressão. Edward T. Welch[1], autor
de Depressão: A tenebrosa noite da alma, Cultura Cristã: São Paulo, 2011, procura em sua obra, expor alguns dos principais
motivadores à depressão – Outras pessoas,
Satanás, temores de morte, traços culturais corrompidos – para em seguida,
de forma perspicaz, passar a tratar pormenorizadamente, e de forma mais pessoal. No livro, ele chama essa seção de coração da depressão. Reproduzo abaixo
trecho do capítulo de mesmo nome[2]:
As coisas não acontecem sem um propósito. Então, quando algo
novo surge, reagimos com uma interpretação imediata de seu significado. Filtramos
o acontecimento por meio de nossa visão de Deus, dos outros e de nós mesmos. Por
exemplo, digamos que alguém não nos tenha cumprimentado, na igreja. Interpretamos
assim: “Ela está zangada comigo”; “Ela é esnobe”, ou então “deve estar com
muita coisa na cabeça. Devo ligar para ela”. Choveu durante todo o fim de
semana em que você planejava trabalhar com o madeiramento no quintal. Você interpreta
assim: “Não acredito que isso esteja acontecendo comigo”, que significa: “Não
acredito que Deus faça isso comigo! ” Ou então, você poderá pensar: “Ainda
creio que Deus seja bom, mesmo que eu esteja decepcionado. Ele está cuidando,
até mesmo, desses detalhes”.
Essas interpretações fazem diferença mesmo que a depressão
tenha causas físicas. A dor mental geralmente precisa de um empurrão
interpretativo a fim de manda-la para o inferno bem como a desesperança, que
chamamos de depressão. Toda dor é interpretada. Tendo isso em mente, volte sua
atenção para o que está acontecendo dentro de você (...).
Definição do coração
Nossa história, nossas
interpretações, nossas motivações e crenças procedem do coração. Ele é o centro
de nossa vida. O coração examina os “porquês”. Por que trabalhar? Por que
brincar? Por que amar? O coração é o
fator definidor de nossa humanidade.
Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida. (Provérbios 4.23).
Porque a boca fala do que está cheio o coração. (Mateus 12.34).
O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração. (Lucas 6.45)
Como você
pode imaginar, a essa altura, quando chegamos ao alcance mais longínquo do
coração, descobrimos que tudo tem a ver com Deus. Toda a vida é vivida coram
deo (diante da face de Deus). Isso não quer dizer que estejamos sempre conscientes de Deus. Quando o
adolescente quebra as regras dos pais, raramente percebe suas infrações como
ataques pessoais contra eles. Ele pensa: Quero
fazer o que der na telha. Quero independência. Minha desobediência não é nada
pessoal.
Toda a vida, contudo, é pessoal. Em algum nível, todas as pessoas
conhecem a Deus (Romanos 1.21). Não
temos apenas uma ideia vaga de que exista um Deus, deuses ou um “poder superior”,
aí, em algum lugar. Dentro do coração humano, há um conhecimento pessoal do
Deus que existe, e nele confiamos ou em uma outra coisa. Usando uma linguagem
mais religiosa, ou adoramos a Deus ou aos ídolos, tais como prazer, dinheiro,
sucesso e amor. No final, o coração é uma questão de ou isso ou aquilo. (...)
A inclinação natural do coração
Conforme vimos, nosso coração está
fora de forma. Isso não deveria nos surpreender, pois nossa vida inteira parece
estar desequilibrada. Mas existe um modo específico em que nosso coração está
desalinhado. Fomos feitos para dedica-lo a Deus, mas não o fazemos. Em vez
disso, o dedicamos a uma estranha fermentação composta de Deus, nós mesmos, e
os objetos de nossos afetos, a saber, os nossos ídolos. Por que essa dedicação
inapropriada e transigente?
Somos orgulhosos. De início, poderá até não fazer muito sentido, especialmente quando
nos sentimos no abismo, mas nosso coração continua altivo. Desde a antiguidade,
as pessoas se inclinam diante de ídolos em uma atitude de aparente humildade e
contrição. Mas o seu alvo não é ser controlado pelo ídolo. As pessoas cultuam a
fim de obter as coisas. Escolhemos os
ídolos porque acreditamos que eles nos darão aquilo que queremos. O deus das
drogas traz falta de temor, o deus do sexo promete prazer e intimidade, o deus
da riqueza estende o poder e a influência. Podemos nos sentir mal a nosso próprio
respeito porque queremos ser grandes, ou pelo menos conseguir alguma coisa, e não estamos nos sentindo
muito bem. Como os profetas de Baal, somos arrogantes a ponto de acreditar que
poderemos manipular o ídolo – quer infligindo ferimentos a nossos próprios
corpos[3] quer por meio de alguma
outra forma de obra de justiça – a fim de que o ídolo ceda e nos dê aquilo que
queremos. Isso se encaixa em sua experiência? Estamos falando de algo
universal. Examine sua imaginação e suas fantasias. Elas não revelam uma
sugestão de autoexaltação? Até mesmo os pensamentos de suicídio podem ter
elementos de orgulho. O suicídio faz parar a dor, mas também deixa uma forte impressão
na mente das pessoas. Até mesmo a modesta autopiedade poderá se tornar
rapidamente em uma razão para pensar em nós mesmos. Poderá ser uma forma
orgulhosa de autoindulgência.
Ainda que
sob depressão, você é uma pessoa – e como pessoas, por natureza, nós temos
traços orgulhosos permeando a totalidade da vida.
Almejamos
autonomia. A autonomia está
intimamente ligada à arrogância. Ambas são expressões do orgulho humano, mas a
autonomia sugere que queiramos nos
separar de, mais do que estar sobre
alguma coisa ou alguém. Queremos estabelecer as regras para não nos submetermos
ao senhorio do Deus vivo. Esta foi a essência do pecado original de Adão. Queremos
interpretar o mundo de acordo com nosso sistema de pensamentos. Queremos estabelecer
nosso próprio universo paralelo, separado de Deus.
Uma expressão popular de autonomia é
o deísmo (...) O deísmo não é uma igreja ou denominação formal, mas podemos dizer
sem sombra de dúvida que é o sistema de crença mais popular no mundo[4]. O deísmo reconhece
Deus, mas acredita que ele está longe, ocupado demais para se envolver nos
afazeres comuns das pessoas. Seus lemas são: “Deus ajuda a quem se ajuda” e
outros princípios semelhantes[5] que
evitam fé e confiança como a atitude principal diante de Deus. No deísmo, podemos desbravar fronteiras sem
que ninguém se meta em nossos afazeres. Dá pra observar isso na depressão? Uma parte
da síndrome depressiva é que somos imensamente leais às nossas interpretações
de nós mesmos e do nosso mundo. Se Deus diz que fomos perdoados em Cristo,
criamos novas regras que exigem contrição, penitência e desprezo próprio. Se Deus
diz que nos ama, insistimos que isso é coisa impossível. Aí está: nosso sistema
é mais elevado do que o de Deus.
Observe como o desejo de controlar
nosso próprio reino tem ligação com o vazio que acompanha a depressão. Quando tentamos
fazer com que a vida funcione separada de Deus, estamos confiando em pessoas e não
em Deus. O problema de confiar nas pessoas é que, ou elas não são confiáveis,
ou estamos confiando tanto nelas que nenhum ser humano teria capacidade para
suportar tamanho peso. Imagine isso: outras pessoas tornam-se ídolos quando
tentamos fazer com que o mundo dê certo sem Deus. Os ídolos, quando derrubados,
não nos dão mais aquilo que queremos, e nos deixam com um sentimento de vazio. O
caminho para sair da autonomia começa com uma simples oração: “Senhor,
ensina-me. Quero pensar como tu pensas”. Isso significa viver sob o reinado do
Rei de amor em vez de procurar amor, aceitação, significado ou segurança à
parte dele. Somente sob seu domínio poderemos conhecer o amor de Deus. Pense em
como seria ter certeza de que o Deus do universo ama você.
Queremos
ceder a nossos próprios desejos. O orgulho
e a autonomia não representam tudo o que está errado em nosso coração. Ambos apontam
para o fato de que somos criaturas ávidas, desejosas. Queremos alguma coisa
mais do que tudo. Cobiçamos. Queremos mais
(Efésios 4.19). E temos inveja daqueles que têm o que nós queremos.
- Eu quero! Quero mais! Mais segurança,
mais amor, mais paz, mais dinheiro, mais respeito, mais liberdade, mais beleza,
e assim por diante. Pense nisso por um momento. É verdadeiro que se tivermos o
quanto queremos, nossa depressão mudaria? Se for assim, provavelmente você está
considerando os desejos mais ávidos e cobiçosos do coração humano.
O problema
é que, ainda que conseguíssemos mais, não sentiríamos satisfação e ainda continuaríamos
a desejar mais. Até mesmo Deus não nos basta. E quando não temos mais à nossa disposição, a vida torna-se
vazia e nada mais interessa. Nada disso parece bonito, ainda que nos soe
conhecido. A depressão não nos poupa das aflições normais do coração humano. Podem,
até mesmo, distrair nossa atenção, mas isso não impedirá que nos agarrem.
Resposta
Então, quer dizer que o pecado é
causa da depressão? Não! Tome cuidado aqui. Sendo ser humano normal, você deve
ver evidências de suas próprias carências, descrenças e caminhos de autonomia. Se
não conseguir enxerga-los, então você
estará em um problema, porque estes são fatores comuns a todo coração humano. Pergunte
às pessoas sábias que passaram por sofrimentos, e elas se lembrarão profundamente
de como o Pai Celestial usou o sofrimento para lhes revelar como estavam
procurando acertar a vida à parte dele. Entretanto, isso não significa que o
sofrimento tenha sido causado por seu pecado pessoal. Significa apenas que a
dor tende a gritar bem alto o nome daquelas coisas que a prosperidade esconde. Afinal,
quando tudo vai bem, a maioria das pessoas são agradáveis e gratas. A angústia
mostra coisas dentro de nós que não veríamos de outra forma. (...)
Em tempos de sofrimento, a Escritura
nos estimula a desembaraçar “de todo peso e do pecado que tenazmente nos
assedia” e a correr, “com perseverança, a carreira que nos está proposta”
(Hebreus 12.1). Devemos, sim, nos preocupar se não estivermos vendo algum pecado, porque uma das maneiras de o
Espírito Santo nos amar é revelando o nosso pecado. Como o pecado é o que
realmente corrompe a vida e tudo que há de bom, somos abençoados quando
conseguimos enxerga-lo e desviamos dele. Porém, isso não significa
automaticamente que o pecado seja o causador de nossa depressão.
É possível que alianças malfeitas e
simples descrença sobre o que Deus diz sejam catalisadoras da depressão? Com certeza.
Nessas horas, a depressão é uma luz de advertência espiritual a nos lembrar de
Deus e de tomarmos decisões quanto à escolha do seu reino ou do nosso. Traga Cristo
bem próximo em todo esse caminho. Mantenha à mão o Salmo 130. O cerne da
Escritura é que Deus veio a nós e tomou a iniciativa do perdão. Ele não nos
perdoa em função da tristeza com o pecado, mas porque Jesus pagou a penalidade
do pecado. O caminho certo para a vida verdadeira consiste em crescer no
conhecimento do amor de Deus e do nosso próprio pecado. Spurgeon disse: “Enquanto
via Deus como tirano, achava que o meu pecado fosse uma ninharia; quando o
conheci como meu Pai, lamentei que tivesse um dia me oposto a Ele”[6]. E Pascal forneceu este sábio
resumo:
Conhecer a Deus sem conhecer nossa própria baixeza produz orgulho. Conhecer nossa própria miséria sem conhecer a Deus produz desespero. Conhecer Jesus Cristo dá o equilíbrio, pois ele nos mostra tanto Deus quanto nossa própria baixeza[7].
***
Creio que será extremamente contraproducente se lermos esse texto na defensiva. Se você chegou até aqui, pare, pense... repense. Examine e retenha o que é bom, entendendo bom como sendo para sua edificação e para a glória de Deus. Muitas vezes o bom incomoda e até nos causa feridas. Por outro lado, como poderemos ser expostos ao Evangelho sem sofrer o impacto dessas Boas Novas que nos fazem nascer de novo?
_______________
[1] Edward T. Welch,
M.Div., Ph.D., é conselheiro e membro do corpo docente da Christian Counseling & Educational
Foundation (Fundação de Educação & Aconselhamento Cristão – CCEF), e
professor de Teologia Prática no Westminster Theological Seminary. Autor de
vários livros e artigos, casado com Sheri e tem duas filhas.
[2] O Coração da Depressão In
Depressão: A tenebrosa noite da alma,
Cultura Cristã, 2011, p. 93-101.
[3] Aqui, Welch refere-se ao episódio narrado em 1 Reis 18.28, em
que os profetas de Baal se cortavam, se mutilavam, derramavam seu próprio
sangue, em uma tentativa de autojustificação, de auto-remissão, porém o homem
não tem o poder de justificar a si mesmo, nem de redimir os seus próprios
pecados. Cf. 1 Reis 18.21-39 para o relato completo.
[4] Welch é norte-americano. Nesse ponto, na p. 99, a palavra que
aparece em lugar de “no mundo”, é “Estados Unidos”. Natural, tratando-se do
contexto do autor.
[5] No Brasil, é comum ouvir pessoas citando “Faz por ti, que eu
te ajudarei”, moto dito como sendo bíblico, indicando uma suposta, e obviamente
falsa, declaração de Deus.
[6] SPURGEON, Charles. Repentance
After Conversion, The Metropolitan Tabernacle Pulpit, vol. 41 (Londres:
Banner of Truth, 1895), sermão # 2419, In
Depressão: A tenebrosa noite da alma, Cultura Cristã, 2011, p. 101.
[7] PASCAL, Blaise. Pensees.
Trad. A. J. Krestsheimer (Londres: Penguin, 1966), n° 192, In Idem.
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