TIAGO E PAULO SOBRE A JUSTIFICAÇÃO | David N. Steele & Curtis C. Thomas
David
N. Steele & Curtis C. Thomas
Através
da história da Igreja houve dois pontos de vista opostos quanto ao modo em que
os pecadores são justificados, isto é, como são feitos justos diante de Deus e,
portanto, declarados aceitos por Ele.
Um dos pontos de vista ensina que a
justificação é pela fé somente, sem as obras da lei. Os pecadores são
declarados justos e, portanto, justificados, somente em relação com a justiça
de Cristo, a qual lhes é imputada no momento em que creem nele. A salvação é
pela graça, mediante a fé, e em nenhum sentido pode ser o resultado ou depender
das boas obras do pecador. Os atos de obediência pessoais não garantem, nem
acrescentam nada à justificação, pois esta se baseia unicamente na justiça que
Deus outorga livremente a todo aquele que crê.
O outro ponto de vista ensina que os pecadores, para serem justificados, devem fazer algo mais do que crer em Cristo, devem prestar obediência pessoal a lei de Deus. Assim, é declarado que a justificação é pela fé mais as obras. O pecador se faz aceito por Deus sobre a base de que o que ele crê equivale ao que ele faz, e não sobre a única base do que Cristo fez em seu favor. Unicamente pode beneficiar-se da obra salvadora de Cristo crendo no Evangelho e obedecendo a lei de Cristo. Um sem o outro não vale para fazer o pecador aceito por Deus. Deus requer ambas as coisas, fé e obra, daquele a quem justifica.
Os advogados destas duas escolas de pensamento
apelam para as Escrituras para sustentar os seus pontos de vista. Os primeiros
fazem suas as palavras de Paulo, em Rm
3:28, como exposição de sua opinião: “concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, sem as obras da lei. ” Os segundos citam as palavras de
Tiago como prova de sua doutrina da justificação pela fé mais as obras:
“verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente” (Tg 2:24). À primeira vista estas duas
declarações parecem ser contraditórias. Devemos dar razão a Tiago e rejeitar
Paulo, ou o inverso? Ou podem ser reconciliadas ambas as declarações?
O propósito deste apêndice é mostrar que este
conflito é apenas aparente e não real. Quando os dois versículos (Rm 3:28 e Tg 2:24) são lidos em seu próprio significado, de fato,
apresentam-se como complemento um do outro, em lugar de contradizer-se. Ambas
as declarações são corretas quando compreendidas no sentido em que os seus
autores desejaram que fossem entendidas. O pecador é justificado pela fé, sem
as obras da lei, como Paulo afirma e, todavia, o pecador salvo é justificado
pelas obras, e não pela fé somente, como disse Tiago. Para compreendermos como
isto pode ser possível, devemos examinar os dois versículos em seu contexto.
O propósito de Paulo em Rm 3:9-5:21 é mostrar que o pecador culpado, que não possui justiça
própria, todavia, pode obtê-la por meio da fé, em Jesus Cristo. No momento em
que o pecador crê, lhe é outorgado a justiça de Cristo, e consequentemente, é
declarado justo (é justificado) por Deus. A base da justificação do pecador
diante de Deus é a justiça de Cristo que lhe é imputada, e o meio pelo qual
esta justiça é recebida, é a fé somente. O ponto que Paulo deseja estabelecer é
que os pecadores são aceitos por Deus, pela fé em Cristo, aparte de todo mérito
pessoal. As obras do homem não têm nada a ver com a sua justificação diante de
Deus. É neste contexto que o apóstolo declara: “concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm
3:28).
O objetivo de Tiago é completamente diferente.
O propósito de sua carta é mostrar como deve viver o cristão diante dos homens.
Deve ser praticante da Palavra, e não apenas ouvinte, para que não engane a si
mesmo (1:22-25). Este é o tema que é enfatizado no decorrer de toda a epístola.
Em 2:14-26, Tiago demonstra que a fé que não produz obras é morta e não pode
salvar.
Ninguém pode pretender que tem fé se ela não
pode ser provada com evidências. Em 2:14 pergunta: “de que aproveitará se
alguém disser que tem fé, e não tem obras? Poderá semelhante fé salva-lo? ” A
resposta, naturalmente, é não! Observe a afirmação que Tiago faz em 2:18:
“mostra-me a tua fé sem obras, e eu te mostrarei a minha fé por meio das minhas
obras”. Ele deseja que os seus leitores vejam que uma fé não pode ser
justificada (provar a sua genuinidade por seus frutos) ante os homens, é falsa,
não podendo ser real; é uma mera profissão sem valor algum. É neste contexto
que a declaração de Tiago se refere à necessidade das obras em relação à
justificação. “Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé
somente” (2:24). Está falando de um Cristianismo justificado diante dos homens
por meio de suas obras, enquanto Paulo em Rm
3:28 se refere ao pecador que é justificado diante de Deus aparte de suas
obras. Calvino expressou ambas as ideias quando escreveu: “é a fé somente que
justifica, mas a fé que justifica nunca pode vir só. ”[1] Paulo se ocupa com a primeira destas duas ideias em Rm 3:28, enquanto Tiago da segunda, em
2:24, mas uma não contradiz a outra.
J.I. Packer acerca dos vários usos bíblicos da
palavra “justificar” disse que “em Tiago
2:21, 24-25 faz referência a
prova da aceitação do homem por parte de Deus, a qual é outorgada quando as
suas ações mostram que leva a classe de vida que resulta da fé que opera, a
qual Deus imputa justiça. ”
“A declaração de Tiago de que o cristão, que
semelhante a Abraão, que foi justificado pelas obras (vs. 24), não é contrária
a insistência de Paulo de que o cristão, e que semelhante a Abraão, é
justificado pela fé (Rm 3:28; 4:1-5), mas que se complementa. O mesmo
Tiago cita Gênesis 15:6 exatamente
com o mesmo propósito que o faz Paulo: mostrar que foi a fé que fez Abraão
justo (vs. 23; cf. Rm 4:3ss., e Gl 3:6ss.). A justificação que concerne
a Tiago não é a aceitação original ou primária do crente por parte de Deus, mas
a subsequente reivindicação de sua profissão de fé por seu modo de viver. Assim
pois, não é em conceito, mas na conclusão que Tiago difere de Paulo. ”[2]
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Fonte: Os
Puritanos, publicação original aqui.
Bibliografia sobre a Justificação:
Berkhof, L., Teologia Sistemática, Editora
Cultura Cristã, 2004.
Berkouwer, G.C., Faith & Justification,
Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1954.
Buchanan, J., The Doctrine of
Justification, Grand Rapids, Baker, 1955.
Calvin, John, Institutes of the Christian
Religion, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1953.
Cunningham, Wm., Historical Theology,
London, The Banner of Truth, 1960.
Hodge, Charles, Systematic Theology, Grand
Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1952.
Morris, Leon, The Apostolic Preaching of
the Cross, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1956.
Owen, John, The Doctrine of Justification
by Faith, Evansville, Sovereign Grace Publishers, 1959.
Packer, J.I., “Just, Justify,
Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, Grand Rapids, Baker House,
1960.
Packer, J.I., “Justification”, The New
Bible Dcitionary, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1962.
Extraído de Romanos un Bosquejo
Explicativo, TELL, 1967, pp. 163-166.
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
[1]
Bispo Moule, The Epistle of Paul to the Romans, p. 137.
[2]
Packer, “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, p. 304.
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