FALSOS APÓSTOLOS JÁ ATACAVAM IGREJAS NO NOVO TESTAMENTO
Augustus Nicodemus*
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Mosaico retratando Apóstolo Paulo - Ravenna/Itália. |
Examinemos agora o caso
daqueles a quem o apóstolo Paulo chama de “superapóstolos” e “falsos
apóstolos”, na sua segunda carta aos coríntios (2Co 11.5; 11.13 e 12.11). Trata-se de obreiros que
apareceram na igreja de Corinto, ostentando o título de apóstolos, apresentando
credenciais que supostamente provavam esta reivindicação, querendo diminuir
Paulo como apóstolo e assumir a liderança da igreja. Paulo os chama de “super apóstolos", (2Co 11.5; 12.11), provavelmente como uma ironia. [1] Os tais se apresentavam com reivindicações extravagantes e se
colocando acima de Paulo e talvez dos doze. Paulo os considera “falsos
apóstolos” (2Co 11.13), não somente
porque a mensagem deles representava um desvio do ensino apostólico original,
mas também porque eram imitadores, tentando se passar por apóstolos de Cristo. [2]
Robertson e Plummer
afirmam que “não poderia ter havido falsos apóstolos (2Co 11.13), a menos que o número de Apóstolos [sic] fosse
indefinido”. [3] O que eles querem
dizer é que se reconhecia a existência de apóstolos além de Paulo e dos doze, e
que não havia limite para o número de apóstolos naquela época. De acordo com
esta interpretação, os “falsos apóstolos” eram falsos não porque estavam
usurpando um título que era somente dos doze ou de Paulo, pois havia muitos
outros apóstolos além deles. Eles eram falsos somente porque pregavam um falso
evangelho. Assim, de acordo com esta linha de interpretação, a existência de
falsos apóstolos no período apostólico é uma prova de que havia muitos
apóstolos em atividade naquela época e que consequentemente não existe nenhuma
razão pela qual se deva negar a existência deles em nossos dias.
Todavia, uma análise
mais atenta aos textos de 2Coríntios que se referem aos falsos apóstolos,
parece sugerir que Paulo os considera “falsos” não somente por serem falsos
mestres, mas também por serem usurpadores do título. Eles se apresentavam como
apóstolos similares aos doze e a Paulo, e não como enviados de alguma igreja
para cumprir uma missão. Eles queriam poder, autoridade, reconhecimento e,
especialmente, ganhar dinheiro. Suas credenciais envolviam sonhos, visões,
revelações, milagres, ascendência judaica e outras coisas destinadas a
impressionar os crédulos coríntios. É verdade que haviam outros apóstolos além
de Paulo e dos doze, conforme já mostramos anteriormente, mas estes que
apareceram em Corinto não eram do nível de Silas, Timóteo, Barnabé ou
Epafrodito – não, eles eram “superapóstolos”, como os doze e acima de Paulo.
Eles eram falsos porque o grupo de “apóstolos de Jesus Cristo” ao qual eles
queriam pertencer – os doze e Paulo – era limitado. [4]
Examinemos mais de perto
as evidências. Quase que certamente esses obreiros eram judeus, supostamente
convertidos ao Cristianismo, pregadores itinerantes, que se vangloriavam de sua
ascendência judaica e de serem ministros de Jesus Cristo. [5] Eles haviam entrado na igreja de Corinto e estavam fazendo
graves acusações contra Paulo, o que levou o apóstolo a ter de escrever esta
carta depois de haver visitado a cidade para tratar do assunto.
Paulo diz que eles
“mercadejavam a Palavra de Deus”, uma alusão às exigências financeiras que
estavam fazendo (2Co 2.17). Eles se
apresentavam com “cartas de recomendação, ” provavelmente da igreja de
Jerusalém, com o intuito de imporem a sua autoridade sobre a igreja (2Co 3.1-3). [6] Ao apresentar-se como “ministro de uma nova aliança, não da
letra, mas do espírito” (2Co 3.6) e
ao fazer o contraste entre o Evangelho e o Judaísmo (2Co 3.6-18), Paulo deixa transparecer que eles pregavam as glórias
da antiga aliança baseada na lei de Moisés como superior ao Evangelho de Paulo.
[7] Ao fazer isto, eles astutamente
“adulteravam” a Palavra de Deus (2Co 4.2)
e pregavam a si mesmos e não a Cristo (2Co
4.5). Paulo os critica por se “gloriarem na aparência”, o que pode ser uma
referência ao fato de que se gloriavam de serem judeus legítimos, talvez de
Jerusalém, ao contrário de Paulo que era da Dispersão (2Co 5.12). Eles haviam sugerido que Paulo havia enlouquecido (2Co 5.13). Criticavam-no por proceder
como o mundo (2Co 10.2) e de ser
covarde, pois escrevia cartas fortes e graves quando estava distante, mas
quando estava presente, sua apresentação pessoal era “fraca” e sua palavra
“desprezível” (2Co 10.9-10; cf. 11.6). Eles insinuavam que Paulo queria
aproveitar-se financeiramente deles, ao inventar uma coleta para os pobres de
Jerusalém (2Co 8.14-18). [8] Eles apresentavam-se como
verdadeiros israelitas (2Co 11.22) e
“ministros de Cristo” (2Co 11.23),
talvez operadores de milagres (2Co 12.12), que tinham visões e revelações do
Senhor (2Co 12.1). Apresentavam-se
como no mesmo nível de Paulo, ou mesmo como superiores a ele, por terem maiores
e melhores credenciais (2Co 11.12).
A igreja de Corinto, ou um grupo dentro dela, estava aceitando a presença e o
discurso deles, com suas críticas a Paulo, que certamente tinham o objetivo de
minar a sua liderança e autoridade e, finalmente, assenhorear-se da comunidade
(2Co 11.1-4).
A resposta de Paulo a
tudo isto vem de várias maneiras. Primeira, ele responde às reivindicações
destes “apóstolos” apresentando, constrangido, as suas próprias credenciais
apostólicas, aceitando, num primeiro momento, que estas credenciais definem um
apóstolo de Cristo: ele também é judeu (2Co
11.22), faz sinais e prodígios (2Co
12.12), tem visões e revelações do Senhor (2Co 12.1-4). Mas, paralelamente, Paulo apresenta as credenciais de
um verdadeiro apóstolo que estes “apóstolos” não tinham, e que o faziam um
verdadeiro “ministro de Cristo, ” em contraste com eles, que eram ministros de
Satanás: eles traziam cartas de recomendação, mas a recomendação de Paulo eram
os próprios coríntios, convertidos pela sua pregação (2Co 3.1-4). Eles se vangloriavam de seus predicados e credenciais,
mas Paulo se gloriava de seus sofrimentos (2Co
6.4-10), de um espinho na carne (2Co
12.7-10) e de ter tido de fugir uma vez de uma cidade descido num cesto,
pelo muro, para não ser morto pelos judeus (2Co 11.32-33).
Terceiro, Paulo os
denuncia como “falsos apóstolos, ” “obreiros fraudulentos, ” que na verdade
eram ministros de Satanás travestidos de ministros de Cristo, seguindo a
estratégia do diabo de se passar por Deus (2Co
11.13-15). Ele apela aos coríntios para não se porem em “jugo desigual com
os incrédulos, ” no que parece ser uma referência a estes falsos apóstolos (2Co 6.14-18). Fica evidente, então, de
nossa análise, que estes obreiros fraudulentos haviam arrogado a si mesmos o
título de apóstolos de Jesus Cristo, numa tentativa de se imporem
autoritativamente sobre as igrejas, numa espécie de imitação dos doze, com o
fim de dominarem sobre elas. Eles eram apóstolos falsos, não somente porque o
grupo de apóstolos ao qual eles reivindicavam pertencer estava já fechado, mas
também porque não possuíam as credenciais essenciais de um verdadeiro apóstolo.
Além disso, estavam adulterando a Palavra de Deus no intento de auferir ganhos
financeiros das igrejas.
Nossa conclusão está de
acordo com o fato de que apareceram muitos, quando os doze e Paulo ainda
viviam, reivindicando um status similar. Encontramos um exemplo disto no livro
de Apocalipse, na carta à igreja de Éfeso: “Conheço as tuas obras, tanto o teu
labor como a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que
puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são, e os
achaste mentirosos” (Ap 2.2). À
semelhança do que havia acontecido em Corinto, homens maus apareceram na igreja
de Éfeso dizendo-se apóstolos. Ao contrário do que havia acontecido na igreja
de Corinto, os crentes de Éfeso puseram estes apóstolos à prova – certamente
examinando as suas reivindicações, suas credenciais e sua mensagem – e
concluíram que eles eram impostores, no que foram aprovados pelo Senhor. Aqui
cabem as palavras de Spence-Jones: “Chamar um homem de sucessor dos apóstolos,
o qual não tem o caráter apostólico – nobreza, lealdade a Cristo e total
autoabnegação – é uma farsa malévola”. [9]
O status de apóstolo era
cobiçado desde cedo na história da igreja cristã, não como um indicativo de
alguém que estava envolvido na obra missionária, mas pelo poder, autoridade e
respeito que este status comandava. E é exatamente neste sentido que ele vem
sendo apropriado e usado por muitos hoje que se apresentam como apóstolos de
Jesus Cristo.
Fonte: NICODEMUS, Augustus. Apóstolos: Verdade Bíblica sobre o Apostolado, São José dos Campos-SP: Editora Fiel, 2014, pp. 143-147.
_____________
Notas:
1.
Cf. “tais apóstolos”, ARA; “superapóstolos”, NVI; “superapóstolos” NTLH. A ARC,
todavia, traduziu como sendo uma referência não irônica,“aos mais excelentes
apóstolos”, o que altera substancialmente a interpretação da passagem,
sugerindo que estes apóstolos “mais excelentes” eram os doze com quem Paulo
estava se comparando.
2.
Alguns estudiosos sugerem que Paulo estava se referindo ironicamente aos doze
apóstolos de Jesus Cristo, sediados em Jerusalém. Contudo, diante dos relatos
do livro de Atos e de Gálatas capítulo dois, da concordância e harmonia entre
Paulo e os doze, esta sugestão não se sustenta. Veja os argumentos contra a
ideia de que os “superapóstolos” eram os doze em Kirk, “Apostleship since
Rengstorf,” 253.
3. Robertson, Corinthians, 279.
4. “Apóstolos de Jesus Cristo” é uma designação
quase que exclusiva dos doze e Paulo no Novo Testamento, cf. a argumentação na
seção “Apóstolos de Jesus Cristo”.
5. Cf. Carson, New Bible Commentary, na
Introdução.
6. Isto não quer dizer que os apóstolos de
Jerusalém estariam de acordo com a atividade sectária e mercenária deles, em
Corinto.
7.
Para uma posição contrária, veja Clark, “Apostleship,” 359-360 e Carson, New
Bible Commentary, Introdução. Mesmo admitindo que os oponentes de Paulo eram
judeus cristãos, Carson não acredita que eram judaizantes, como aqueles que infestaram
as igrejas da Galácia. Contudo, o contraste entre as duas alianças no capítulo
3 só faria sentido no contexto de uma mensagem judaizante dos oponentes de
Paulo.
8.
Esta é, provavelmente, a razão pela qual Paulo toma várias precauções para
evitar acusações de apropriação indébita das ofertas que ele haveria de levar a
Jerusalém, cf. 2Co 8—9.
9.
Spence-Jones, Galatians, 140.
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