REV. JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO: O Padre Protestante
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Desenho retratando José Manoel da Conceição | Autor: Desconhecido |
Infância: A formação católico-romana
José Manoel da Conceição nasceu na cidade de São
Paulo em 11 de março de 1822, tendo sido batizado treze dias depois. Era filho
do português Manoel da Costa Santos e da brasileira Cândida Flora de Oliveira
Mascarenhas. Dois anos mais tarde, a família mudou-se para Sorocaba, onde o
menino foi criado e educado por seu tio-avô, o padre José Francisco de
Mendonça. Desejoso de seguir o sacerdócio, foi para São Paulo, onde frequentou
o curso anexo da Academia Jurídica e estudou teologia (1840-1842). Conheceu o
frei Joaquim do Monte Carmelo, que foi seu amigo e defensor até o final da
vida. Em abril de 1842 recebeu as ordens menores da Igreja Católica, inclusive
a de subdiácono. Pouco depois, ele e o tio-avô apoiaram a Revolução Liberal, o
que retardou a sua ordenação. Passou a exercer as suas atividades religiosas em
Ipanema, localidade próxima de Sorocaba, onde foi instalada a primeira fundição
de ferro do Brasil.
Juventude: Os primeiros contatos com a Bíblia
Desde os dezoito anos travou contato com a Bíblia,
descobrindo conflitos entre os seus ensinos e certas práticas e doutrinas
católicas. Certa vez, ao repreender o seu professor de desenho, o francês
Carlos Leão Baillot, por tê-lo visto andar na igreja com o boné na cabeça,
ouviu dele palavras que nunca esqueceu: “Menino, aprende em tua Bíblia a
distinguir a alegoria da religião. O fim da Bíblia é ensinar-nos a amar a Deus
sobre tudo e depois amarmo-nos uns aos outros como bons irmãos, filhos de um só
Pai que está no céu. Ouves, meu menino? ” Relacionou-se com protestantes e
sentiu-se atraído por eles, levado pelo bom testemunho de suas vidas
religiosas. Em Ipanema, visitou a família inglesa Godwin e as casas dos
alemães, impressionando-se com a maneira respeitosa como guardavam o domingo e
com a prática da leitura da Bíblia e de livros religiosos. Fez amizade com o
médico dinamarquês Dr. João Henrique Teodoro Langaard, com quem aprendeu
alemão, história e geografia.
O “Padre-Protestante”: Inquietações e Conversão
Em 1844 e 1845, Conceição foi sucessivamente
ordenado diácono e presbítero da Igreja Romana, sendo enviado para Limeira.
Começou a pregar mensagens evangélicas e a incentivar o povo a ler a Bíblia,
sendo apelidado de “padre protestante”. Preocupado com a situação, o bispo D.
Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade passou a transferi-lo com frequência de uma
paróquia para outra: Piracicaba, Monte-Mór, Limeira outra vez, Taubaté,
Ubatuba, Santa Bárbara e por fim Brotas, onde chegou em 1860. Nesses anos,
Conceição traduziu para os editores protestantes do Rio de Janeiro, os irmãos
Laemmert, algumas obras que também o influenciaram, como a Nova História
Sagrada do Antigo e Novo Testamento, traduzida em Ubatuba (1856). Esses
editores faziam vir da Europa livros que ele encomendava e lhe ofereciam
outros, conhecendo as suas tendências reformistas.
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Rev. Antônio Pedro de Cerqueira Leite (1845-1883) |
No primeiro semestre de 1863, Conceição escreveu
ao novo bispo, D. Sebastião Pinto do Rego, sobre as suas lutas espirituais e
foi nomeado vigário da vara, um cargo administrativo sem funções sacerdotais.
Comprou um sítio junto ao rio Corumbataí, perto de Rio Claro, para onde se
mudou. No final do mesmo ano, recebeu a visita do Rev. Alexander Latimer
Blackford, missionário presbiteriano que acabara de mudar-se para São Paulo e
ouvira falar do padre que tinha ideias protestantes. Seguiu-se uma
correspondência assídua entre os dois, até que, no dia 19 de maio de 1864,
Conceição chegou a São Paulo para encontrar-se com Blackford. Conheceu a esposa
deste, Elizabeth, que o convidou sem rodeios a se tornar protestante. Depois de
várias palestras longas e proveitosas com o missionário, o sacerdote voltou
para casa no dia 24 decidido a abraçar a fé evangélica. Na volta, passou por
Campinas e levou a irmã Gertrudes do Amaral – Tudica (1849-1923), com apenas quinze anos, que fora educada pela
família Bierrenbach. Foram para Rio Claro, onde Gertrudes se casou no início de
junho com José Rufino de Cerqueira Leite – Nhô Zé (1844-1907), irmão do futuro
pastor Antônio Pedro.
No dia 23 de setembro, Conceição tornou a ir a São
Paulo e foi hospedado por Blackford. Dois dias depois, um domingo, participou
pela primeira vez de um culto protestante. No dia 28, obteve uma audiência com
o bispo e lhe comunicou que estava deixando o sacerdócio e a Igreja Católica
Romana. Uma semana mais tarde, em 4 de outubro, partiu com o missionário para o
Rio de Janeiro, deixando em mãos de um amigo a carta de renúncia que devia ser
entregue a D. Sebastião. Sua chegada à capital do império causou sensação e
quando pregou pela primeira vez, no dia 9, a sala ficou repleta. Fez amizade
imediata com o Rev. Ashbel Simonton, que ainda sentia a morte da esposa
ocorrida há três meses. No dia 23 de outubro de 1864, Conceição fez a sua
pública profissão de fé e foi batizado pelo Rev. Blackford. O Rev. Simonton
proferiu breves palavras e o ex-padre explicou aos presentes o passo que havia
dado. A série de conferências que fez foi o seu primeiro trabalho como
evangélico. Sendo culto e eloquente, a sua conversão causou consternação no
clero católico. Passou a colaborar com os missionários na redação do jornal Imprensa Evangélica, cujo primeiro
número foi lançado ao público no dia 5 de novembro.
Pregando o Evangelho no
interior: Nasce a Igreja
Presbiteriana de Brotas-SP
Pouco depois, sem avisar, Conceição partiu
repentinamente, regressando a Brotas, onde viviam a irmã Gertrudes e seu esposo
José Rufino. Debatia-se com uma grave crise de consciência por causa da sua
vida anterior. Depois de algumas viagens com os missionários e de muitos
esforços pacientes dos mesmos no sentido de tranquilizá-lo, superou o
sentimento de culpa que o atormentava. Foi então, em meados de 1865, que
escreveu a sua bela e inspiradora Profissão de Fé Evangélica. No dia 13 de
novembro daquele ano, graças ao seu trabalho evangelístico e à colaboração dos
missionários, foi organizada a Igreja
Presbiteriana de Brotas, a primeira do interior do Brasil. Blackford
recebeu por profissão de fé onze pessoas da família Gouvêa e batizou dez
crianças. Conceição apresentou a mensagem e fez uma tocante oração de
encerramento.
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Rev. Blackford: Primeiro Presidente do Presbitério do Rio de Janeiro e do Sínodo do Brasil |
Nos meses seguintes foram recebidos na igreja
vários familiares seus, inclusive Gertrudes e José Rufino, bem como outros
membros da família Cerqueira Leite. Desde fins de 1863, Conceição vinha
distribuindo folhetos e Bíblias em Brotas e expondo suas dúvidas e novas
convicções às famílias Gouvêa e Cerqueira Leite. Em abril e maio de 1865
acompanhara o Rev. George Chamberlain em Brotas e em outubro e novembro, o Rev.
Blackford, pregando e ensinando na vila e nos sítios. Outro irmão do ex-padre
que veio a se converter foi Venceslau da Costa Santos (Nhô Lau), nascido em 28
de setembro de 1846, que foi presbítero, residiu em Boa Vista do Jacaré e
outros locais, e faleceu na Fazenda Olivete, em Torrinha, em junho de 1941. Era
casado com Adelaide, filha de Remígio de Cerqueira Leite, um dos irmãos de
Antônio Pedro.
Ordenação Pastoral: Primeiro brasileiro ordenado ministro protestante
No dia 16 dezembro de 1865, os Revs. Simonton,
Blackford e Francis Schneider organizaram na cidade de São Paulo o Presbitério
do Rio de Janeiro, composto das Igrejas do Rio, São Paulo e Brotas. José Manoel
da Conceição foi examinado acerca das suas convicções e considerado apto. No
dia seguinte, um domingo, pregou pela manhã o sermão de prova sobre Lucas
4.18-19 e à tarde foi ordenado ministro do evangelho. Blackford fez as
perguntas de praxe e Simonton discursou com base em 2 Coríntios 5.20, saudando
e exortando o novo pastor. Pouco depois da sua ordenação, Conceição deu início
às suas famosas viagens evangelísticas, que eventualmente o levaram até Itapeva
(sul de São Paulo), Brotas (oeste), Campanha (sul de Minas) e Barra do Piraí
(Vale do Paraíba). Visitou as cidades e vilas onde havia sido pároco e muitas
outras, plantando as sementes de futuras igrejas. O Rev. George Landes, em um
folheto sobre a evangelização do Paraná, diz que certa vez Conceição visitou a
vila de Castro, onde uma de suas irmãs era professora, e pregou em Ponta
Grossa.
Em 28 de fevereiro de 1866, dois meses e meio após
a ordenação, Conceição partiu de São Paulo pela estrada do sul, passando por
Cotia, Una, Piedade, São Roque e Sorocaba, e retornou à capital. A seguir, foi
novamente a Sorocaba, onde pregou por muitos dias a auditórios sempre crescentes,
e distribuiu Bíblias, folhetos e muitos exemplares da Imprensa Evangélica. O primeiro culto foi realizado na casa da
família Bertoldo. A seguir, Conceição foi a Porto Feliz, Rio Claro e Brotas,
onde pregou na companhia de Schneider e Chamberlain. Após recuperar-se de um
problema de saúde, foi para Rio Claro, onde muitas pessoas o ouviram, inclusive
o vigário local. Esteve em Limeira, Campinas, Belém de Jundiaí (Itatiba) e
Bragança, onde Blackford foi encontrá-lo em 25 de maio. Pregaram a auditórios de
cem a duzentas pessoas, sem incidentes. Voltando a São Paulo, tomou a estrada
do Rio de Janeiro no início de junho, passando pela Penha, São Miguel, Jacareí
e São José dos Campos. Pregou a muitas pessoas no Hotel Figueira, sendo essa
possivelmente a primeira vez que a fé evangélica foi anunciada naquela cidade.
A seguir passou por Caçapava, Taubaté (onde fora vigário), Pindamonhangaba,
Aparecida, Guaratinguetá, Lorena, Queluz, Resende, Barra Mansa e Piraí, onde
tomou o trem, chegando ao Rio em 29 de junho para a reunião do presbitério, ao
qual prestou relatório. Todo esse enorme trabalho foi realizado em apenas
quatro meses, sendo a maior parte do trajeto percorrida a pé.
No ano presbiterial de 1866-1867, após retornar a
São Paulo, pregou nas cidades onde já estivera e em muitas outras. Escrevendo
em 30 de agosto, o aspirante ao ministério Antônio Pedro afirmou: “O nome do
padre José Manoel está espalhado pelo universo; não há lugar onde se passe que
não falem em seu nome”. Passou dois meses em Brotas, que também recebeu a
visita de Blackford, Emanuel Pires e Schneider. Em janeiro e fevereiro de 1867,
visitou vários pontos do Vale do Paraíba na companhia de Blackford. Em março,
seguiu para Minas Gerais na companhia de Miguel Torres, visitando Ouro Fino, Borda
da Mata, Pouso Alegre e Santana do Sapucaí. Em Borda da Mata, pregou três vezes
no sítio de Antônio Joaquim de Gouvêa, parente dos crentes de Brotas. As sete
reuniões realizadas em Pouso Alegre foram muito concorridas. Em 23 de abril de
1867 o jornal Correio Paulistano
publicou a “Sentença de Excomunhão e Exautoração” contra o ex-padre. No mês
seguinte, os jornais publicaram a resposta do Rev. Conceição, um verdadeiro
manifesto evangélico. Em junho ele publicou a sentença e a respectiva resposta
em um livreto que teve grande divulgação. Seguiu então novamente para o Rio de
Janeiro. Tendo chegado pouco antes da reunião do presbitério (11 a 16 de
julho), pregou em Copacabana, São Cristóvão, Cascadura, Maxambomba, Macacos e
Serra, estações da estrada de ferro. Na reunião presbiterial, leu um texto
intitulado “O Brasil necessita da pregação do evangelho? ”
Visita aos Estados Unidos: Parcerias, retorno ao Brasil e Intensa Atividade Evangelística
Como a sua saúde inspirava cuidados, os
missionários o incentivaram a ir aos Estados Unidos, o que ele fez no início de
agosto, lá permanecendo quase um ano. Partiu em 3 de agosto no navio Eclipse e chegou a Nova York em 12 de
setembro. Apresentou ao Dr. David Irving, secretário da Junta de Missões, uma
carta de recomendação de Simonton, e passou alguns dias com Chamberlain, que
angariava donativos para a construção do templo do Rio. Este o levou para
conhecer as igrejas portuguesas de Springfield e Jacksonville, no Illinois, nas
quais Conceição trabalhou durante oito meses e onde aplicou os seus
conhecimentos de medicina. Iria corresponder-se com essas igrejas até pouco
antes do seu falecimento. As mesmas haviam enviado ao Brasil o Rev. Emanuel
Pires e logo enviaram os Revs. Robert Lenigton e João Fernandes Dagama. Nessa
estadia nos Estados Unidos, Conceição fez a revisão de uma tradução do Novo
Testamento para a Sociedade Bíblica Americana e traduziu artigos e folhetos
para a Sociedade Americana de Tratados. De regresso a Nova York, Irving e
Chamberlain o acompanharam ao vapor Mississippi,
no qual embarcou no dia 23 de junho de 1868, chegando ao Rio de Janeiro em 20
de julho. No dia 1° de agosto, embarcou com Blackford e Schneider para Santos,
a fim de participar da reunião do presbitério em São Paulo (5 a 8 de agosto).
Após a reunião presbiterial, Conceição tomou o
caminho do sul, passando por Cotia, São Roque, Sorocaba, Campo Largo, Alambari
e Itapetininga. No início de outubro retornou a São Paulo e foi para o Rio de
Janeiro. Acompanhou Chamberlain no vapor Parati
ao litoral fluminense, visitando Angra dos Reis e Parati. Dali subiram a serra,
passando por Cunha e Lorena, onde houve perseguição. Seguiu então para São
Paulo, visitando as principais cidades e vilas do Vale do Paraíba. Na capital
paulista, foi hospedado pelos Revs. Pires e McKee. No dia 15 de janeiro de 1869
partiu para Atibaia, Bragança, Amparo e Socorro. Esteve também em São José dos
Campos e outros locais. Em julho voltou a São Paulo para a 5ª reunião do
Presbitério do Rio de Janeiro (12-18 de agosto), a última a que compareceu. O
trabalho havia mudado durante a sua ausência no exterior. A ênfase era outra:
não mais o febril desbravamento, mas a consolidação em torno de alguns centros.
Seu relatório foi considerado demasiado longo e recebido com certo
desinteresse.
Últimos anos: Solidão, depressão e perseguições
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José Manoel da Conceição |
A partir de agosto de 1869, Conceição voltou a ser
um solitário. Não se sentia atraído pelas estruturas e formalidades
eclesiásticas. Preferia continuar viajando e pregando, apesar da saúde cada vez
mais precária. Nunca mais teve companheiros de estrada; nunca mais compareceu
ao presbitério nem lhe prestou relatório. Tornou-se um estranho para os
próprios amigos, que raramente sabiam onde ele se achava. Era afligido
periodicamente por sérias crises de depressão, que foram, no dizer de um autor,
o seu “espinho na carne”. Em 21 de setembro de 1869, escreveu de São Paulo à
irmã e ao cunhado dizendo-se doente “com umas feridas grandes e dolorosas” e
impossibilitado de viajar. Em 6 de março de 1870 ministrou a Ceia na Igreja de
São Paulo em companhia do Rev. McKee e no dia 14 oficiou no sepultamento do
Rev. William D. Pitt. Em julho de 1872 esteve no Rio de Janeiro; em agosto e
setembro foi visto em Queluz e depois em Caldas, Campanha e outros pontos de
Minas; de outubro a dezembro andou por Areias e Mambucaba, no litoral de São
Paulo. No primeiro semestre de 1873, esteve em Queluz, São Paulo, Rio de
Janeiro, Piraí, Campo Belo e Caraguatatuba, entre outros locais. Tornou-se uma
figura lendária nas estradas. Em muitos lugares, enfrentou tremendas
perseguições e injúrias. Em Pindamonhangaba, um homem foi ouvi-lo para o
insultar, mas a prédica versou sobre o Filho Pródigo e ele chorava a ausência
de um filho querido. Numa fazenda, o dono o interrompeu, perseguiu-o pela
estrada com um chicote e açulou os cães contra ele, deixando-o gravemente
ferido. Em 1872, na cidade de Campanha, foi apedrejado por uma turba e deixado
como morto na estrada.
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Jornal Imprensa Evangélica |
O Rev. Conceição exerceu o seu ministério de
maneira sacrificial e abnegada. Seu método era ir de vila em vila e de casa em
casa, pregando, lendo e expondo a Bíblia. Vivia como um nômade, pregando em
toda parte e experimentando toda sorte de privações, que lhe prejudicaram a
saúde. Passava a noite em qualquer lugar que lhe oferecessem e, em sinal de
reconhecimento, servia de enfermeiro a algum doente ou prestava pequenos
serviços, como varrer e lavar. Alimentava-se de maneira frugal e o seu único
vestuário era o que lhe cobria o corpo. Nas longas peregrinações, ocupava as
horas vagas escrevendo a lápis sermões, traduzindo artigos e fazendo anotações
curiosas sobre tudo o que observava. Quando se demorava por algum tempo em
algum local onde podia dispor de comodidade, passava a limpo os seus sermões,
hinos, notas e traduções, empregando em tudo muito método, clareza e uma bela
caligrafia. Todos esses papéis ele levava consigo embrulhados em um pano, até
poder dar-lhes o destino apropriado, enviando uns aos amigos e outros à redação
da Imprensa Evangélica. Tinha uma
presença nobre e atraente, voz harmoniosa, grande eloquência e pureza de vida.
O pouco que possuía, dava aos pobres.
Morte e legado
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Instituto JMC |
Na reunião do presbitério em agosto de 1873,
decidiu-se que Conceição devia fixar residência no Rio de Janeiro para cuidar
da saúde. Em dezembro, ele finalmente dirigiu-se só e a pé para aquela cidade,
onde o Rev. Blackford alugara uma casa aprazível em Santa Teresa para ele
descansar. Perto de Piraí, indo à estação da via férrea, anoiteceu e ele buscou
abrigo numa casa à beira da estrada. Um policial, vendo-o descalço e malvestido,
o levou preso como indigente. Nos três dias que passou na prisão, gastou os
seus últimos recursos, tendo de seguir a pé para a capital. Ao aproximar-se da
cidade, às quatro horas da tarde do dia 24, caiu desfalecido à beira do
caminho, na estrada da Pavuna. Foi levado para a enfermaria militar do
Campinho, onde recebeu carinhosa assistência. Mudaram-lhe as roupas e lhe deram
um caldo; só respondia com monossílabos e movimentos da cabeça. Pediu para
“ficar só com Deus”. Naquela madrugada, 25 de dezembro de 1873, o Rev.
Conceição morreu enquanto dormia. O major Augusto Fausto de Souza, diretor da
enfermaria militar, e o subdelegado Honório Gurgel do Amaral coordenaram os
preparativos para o enterro. Ia ser sepultado como indigente quando chegou o
futuro candidato ao ministério Cândido Joaquim de Mesquita, enviado pelo Rev.
Blackford em busca de notícias. No mesmo dia, o Rev. Conceição foi sepultado
condignamente no cemitério da matriz de Irajá.
O bispo D. Pedro Maria de Lacerda soube do
ocorrido e repreendeu com veemência os sacerdotes responsáveis pelo
sepultamento, que alegaram não saber que se tratava do excomungado José Manoel
da Conceição. Três anos mais tarde, antes de vencido o prazo legal de cinco
anos, seus ossos foram exumados e transferidos para São Paulo, sendo sepultados
ao lado do túmulo de Simonton, no Cemitério dos Protestantes. Sua lápide tem
dois versículos que bem descrevem o seu ministério: “Não me envergonho do
Evangelho de Cristo” (Rm 1.16) e “Me alegro nos sofrimentos por seu corpo, que
é a igreja” (Cl 1.24). O diretor da enfermaria militar, major Fausto de Souza,
anos depois veio a converter-se e escreveu uma biografia desse herói da fé,
publicada na Imprensa Evangélica de
janeiro e fevereiro de 1884, na forma de suplemento, sob o título “Ex-padre
José Manoel da Conceição”.
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Rev. William Waddell |
Conceição deixou muitos filhos espirituais, cujos
descendentes atuam até hoje na Igreja Presbiteriana do Brasil. Dois exemplos
entre tantos, além dos Gouvêa e dos Cerqueira Leite, são as famílias Barbosa
Martins (Rev. Wadislau Martins Gomes) e Campos (D. Aurora de Campos Kerr, Rev.
Heber Carlos de Campos). Colaborou na Imprensa
Evangélica com artigos e sermões, alguns dos quais foram reproduzidos em um
suplemento do Brasil Presbiteriano em 1972, no sesquicentenário do seu
nascimento (“A devoção doméstica”, “A ilustração”, “O evangelho”, “O
endurecimento do coração” e “A última ceia do Senhor”). Deixou também alguns
hinos, dentre os quais “Amar-te, Jesus, e crer-te”, “Oh! Se me fora possível”,
“Dou de mão à vaidade” e “Escreve tu com própria mão”, o escrito “As exéquias
de Abraão Lincoln, presidente dos Estados Unidos” (1865) e algumas cartas. Era
versado em matemáticas e ciências físicas e naturais; conhecia francês, inglês,
latim e alemão.
Em sua homenagem, a instituição fundada em 1928
pelo Rev. William A. Waddell, em Jandira, nos arredores de São Paulo, recebeu o
nome de Instituto José Manoel da Conceição, nome esse preservado atualmente no
seminário presbiteriano situado no bairro do Campo Belo, na capital paulista.
Em Votorantim, cidade próxima de Sorocaba, a Igreja Presbiteriana está em uma
avenida que leva o seu nome, na qual também se encontra o seu busto. Como bem
apontou o seu biógrafo, Rev. Boanerges Ribeiro, a maior contribuição do
ex-sacerdote foi a proposta de um modelo brasileiro para a reforma da vida
religiosa do seu país. Outro estudioso, Paul E. Pierson, um ex-missionário no
Brasil, também destacou as características de Conceição que o qualificavam para
fazer uma síntese entre o cristianismo evangélico e a cultura brasileira, em contraste
com os seus colegas estrangeiros e mesmo brasileiros.
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Fonte: Portal Mackenzie.
Fonte: Portal Mackenzie.
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