SER INFANTIL OU SER COMO CRIANÇA – UMA DISTINÇÃO IMPORTANTE | Carl Trueman
Há uma importante distinção que é
absolutamente vital para uma boa teologia e uma vida cristã saudável. É também
uma distinção que parece ter sido perdida por um crescente número de pessoas
tanto no lado esquerdo quanto no direito do espectro teológico. É a distinção
entre ser como criança e ser infantil. Cristãos são chamados a terem
uma fé do primeiro tipo; não do segundo.
Eu suspeito que as próximas gerações talvez
olhem para trás, para os dias de hoje, e vejam uma era de incomparável
infantilidade na história da humanidade. As vastas somas de dinheiro pagas para
que homens adultos brinquem de jogar para nosso entretenimento é simplesmente
inacreditável. A influência cultural lançada por jovens estrelas pop é até
bizarra. Digo, qualquer que seja a opinião de alguém sobre um sistema estatal
de saúde, não é óbvio que as opiniões do Justin Bieber sobre o assunto deveriam
ser seguramente ignoradas? E a necessidade compulsiva de pessoas aparentemente
inteligentes de twittar as mais tolas banalidades de suas vidas para o domínio
público é surpreendente. A esses atos de infantilidade relativamente triviais
podemos adicionar também algo mais sinistro: o desenvolvimento de uma cultura
política e legal que se recusa a reconhecer qualquer meio termo. Quanto à
moralidade, as crianças mimadas realmente tomaram o universo do discurso moral,
quando é mais provável que um homem que deixa sua esposa por outro homem seja
louvado como herói cultural por sua bravura do que taxado de imoral e cretino
por sua capitulação covarde aos seus hormônios.
Infelizmente, isso também tem afetado a
igreja. Muitas megaigrejas têm crescido por meio do casamento inesperado, mas
indubitavelmente bem-sucedido, de uma teologia esparsamente ortodoxa com um
linguajar infantil. Indo além, muitos cristãos de igrejas não tão ‘mega’ também
têm hábitos e pessoas infantis. Não são simplesmente aqueles pastores que se
vestem como adolescentes desleixados quando pregam que exibem tais
características. Todos nós podemos ser tentados nessa direção quando não nos
dão o que queremos e procedemos imediatamente para derrubar das prateleiras
todos os brinquedos que temos. E o que se pode dizer sobre o consistente
fracasso da blogosfera cristã, do menor ao maior, em entender que algumas
coisas são próprias à esfera pública e que outras devem ser mantidas privadas?
Saber quando falar em público e quando se manter discreta e modestamente em
silêncio (especialmente sobre os próprios sucessos) costumava ser uma parte
muito básica do que significava amadurecer.
Talvez, no centro dessa infantilidade,
esteja a inabilidade de reconhecer qualquer tipo de autoridade externa. O bebê
chorando pelo bichinho de pelúcia confiscado está expressando seu ultraje ao
mundo ter mudado contra sua vontade, tanto quanto a adolescente cuja vida foi
(e eu cito diretamente) ‘tipo, totalmente arruinada’ porque seu celular lhe foi
tirado por uma noite por um pai aborrecido. Muito do que consideramos
comportamento infantil, como birras, irresponsabilidade e insolência, contém
uma dose significativa de repúdio por autoridades externas.
Alguns anos atrás, me lembro de confrontar
alguém sobre a questão da autoridade bíblica. Esse indivíduo, na época um
cristão professo, simplesmente não conseguia aceitar as afirmações que a Bíblia
fazia sobre sua vida. Gradualmente percebi um padrão: essa pessoa também odiava
o fato de ter que prestar contas ao seu chefe, que os presbíteros de sua igreja
desejavam que ele lhes prestasse contas, e que também deveria ser submisso a
seu pai. Ficou claro para mim que essa pessoa não estava lutando contra a
autoridade bíblica em particular; ele lutava contra autoridades externas em
geral. Ironicamente, o Ocidente tem considerado esse tipo de individualismo e
independência como sinais de maturidade. E conforme vemos os últimos estágios
desse projeto se desenvolverem perante nossos olhos, e o mundo Ocidental se
tornar um lugar onde tribunais são necessários para decidir quais banheiros as
crianças de cinco anos devem usar, acredito que a trajetória dessa
infantilidade já esteja bastante clara. E, por falar nisso, nesse caso a que me
refiro, foram as crianças de cinco anos, não os adultos, que ganharam. Isso
deveria te dizer algo.
Ser como criança, entretanto, é a própria
antítese da infantilidade. Se infantilidade envolve a recusa em reconhecer
autoridades externas e, assim, uma recusa em reconhecer os próprios limites e
falta de exclusividade nesse mundo, ser como
criança é muito diferente disso. Ser como uma criança é aceitar que você
não é a medida de todas as coisas. Crianças são aqueles seres que são os
melhores em olhar para os outros, especialmente os adultos, para aprenderem as
coisas sobre as quais ainda são ignorantes. Ser como uma criança envolve
confiar no pai ou no irmão mais velho em busca de proteção, sabedoria, e saber
que os adultos têm competências e habilidades que servem para ajudar.
No mundo cristão, é possível adicionar que
isso envolve uma aceitação do poder e da autoridade de Deus, da suficiência de
Sua revelação e a adequação completa da salvação provida em Cristo. Também
envolve estar envolvido na igreja local, buscando nos presbíteros e diáconos
suporte e cuidado. Envolve perceber que não se vive longe, ou acima, do corpo
de Cristo: deve-se ser parte dele, e estar sob a autoridade da cabeça.
Voltando ao exemplo do homem que citei
anteriormente. Eu lembro de um comentário feito por Karl Barth sobre as
Escrituras. Veja bem, eu não concordo com a visão de Barth das Escrituras, mas
esse comentário foi muito marcante para mim desde que o li. Era mais ou menos
assim: eu sei que a Escritura é a palavra de Deus da mesma forma que sei que
minha mãe é minha mãe. Veja, eu confesso que nunca pedi um teste de DNA para
minha mãe. Eu tenho uma cópia da minha certidão de nascimento, na qual o nome
dela aparece, mas eu nunca usei isso como a base do meu relacionamento com ela,
nem tentei descobrir se essa certidão foi forjada como parte de uma ampla conspiração
para me confundir. Eu simplesmente sempre soube que a minha mãe é minha mãe e
não vejo essa convicção como sendo, nem de longe, irracional, vergonhosa, sem
fundamento ou ridícula. Confesso que me lembro de um momento particularmente
desagradável de meus anos de juventude em que gritei “você não é minha mãe! ”
para ela, mas esse brado foi mais um insulto calculadamente cruel, não uma
afirmação de fatos biológicos ou crenças pessoais. Também diria que,
ironicamente, essa afirmação marcou o ápice da minha estupidez e infantilidade
adolescente.
Herman Bavinck dizia que o cristão aceita a
revelação especial de Deus em Cristo com a fé de uma criança. Isso é uma
afirmação implausível em um mundo onde ser como
criança é tão desprezível e ser infantil tão exaltado. Mas ela captura com
precisão o pensamento expresso justamente por Cristo, que apontou para as
crianças como paradigmas da maneira com que suas palavras deveriam ser
recebidas.
Crescimento em maturidade cristã deveria se
manifestar de diversas formas. Uma delas é que deveríamos nos tornar cada vez
menos enamorados pelos mitos que contamos a nós mesmos sobre quão únicos nós
somos como indivíduos, sobre termos potencial ilimitado, sobre como realmente
temos a última palavra sobre tudo. Resumindo, deveríamos nos tornar menos
infantis. Pelo contrário, deveríamos nos tornar mais conscientes do quanto
somos exatamente como todo mundo – limitados, dependentes, finitos, caídos.
Também deveríamos aprender cada vez mais a encontrar nossa realização em
descansar na simples fé bíblica e catequética que descreve quem somos, o que
precisamos e como podemos achar isso ao nos submetermos em fé reverente e
humilde a Cristo. Em outras palavras, devemos nos tornar menos infantis e mais como crianças.
_________
Fonte: Reforma21
Carl
R. Trueman é professor de Teologia Histórica e História da
Igreja no Westminster Theological Seminary (PA). Ele é o autor de vários
livros, incluindo John Owen: Reformed
Catholic, Renaissance Man
(Ashgate, 2007) e Republocrat: Confessions of a Liberal Conservative (P
e R, 2010).
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