O PECADO PARA A MORTE E A BLASFÊMIA CONTRA O ESPÍRITO SANTO
Por Augustus
Nicodemus*
Não são
poucos os pregadores de linha pentecostal que ameaçam os críticos das atuais
"manifestações espirituais" de cometerem o pecado sem perdão, a
blasfêmia contra o Espírito Santo. Mas, será? O pecado para a morte é
mencionado por João em sua primeira carta:
"Há
pecado para morte, e por esse não digo que rogue (5.16c)".
A morte
a que João se refere é a morte espiritual eterna, a condenação final e
irrevogável determinada por Deus, tendo como castigo o sofrimento eterno no
inferno. Todos os demais pecados podem ser perdoados, mas o “pecado para morte”
acarreta de forma inexorável a condenação eterna de quem o comete, a ponto do
apóstolo dizer: "e por esse não digo que rogue". E o apóstolo
continua:
"Toda
injustiça é pecado, e há pecado não para a morte (5.17; cf. 3.4)".
João
não está sugerindo que a distinção entre pecado mortal e pecado não mortal
implique na existência de pecados que não sejam tão graves assim. Todo pecado é
contra o Deus justo, contra a sua justiça. Portanto, todo pecado traz a morte,
que é a penalidade imposta por Deus contra o pecado. Mas, para que seus
leitores não fiquem aterrorizados, João repete: há pecado não para morte
(5.17b). Nem todo pecado é o pecado mortal. Há perdão e vida para os que não
pecam para a morte. O Senhor mesmo convida seu povo a buscar o perdão que ele
concede (Is 1.18).
O que, então, é o pecado para a morte? O apóstolo João não declara explicitamente a que tipo de
pecado se refere. Através dos séculos, estudiosos cristãos têm procurado
responder a esta pergunta. Alguns têm entendido que João se refere à morte
física, e têm sugerido que se trata de pecados que eram punidos com a pena de
morte conforme está no Antigo Testamento (Lv 20.1-27; Nm 18.22). Não adiantaria
orar pelos que cometeram pecados punidos com a morte, pois seriam executados de
qualquer forma pela autoridade civil. Ou então, trata-se de pecados que o
próprio Deus puniria com a morte aqui neste mundo, como ele fez com os filhos
de Eli (2Sm 2.25), com Ananias e Safira (At 5.1-11) e com alguns membros da
igreja de Corinto que profanavam a Ceia (1Co 11.30; cf. Rm 1.32).
A
Igreja Católica fez uma classificação de pecados veniais e pecados mortais,
incluindo nos últimos os famosos sete pecados capitais, como assassinato,
adultério, glutonaria, mentira, blasfêmia, idolatria, entre outros. Este tipo
de classificação é totalmente arbitrário e não tem apoio nas Escrituras.
A
interpretação que nos parece mais correta é que João está se referindo à
apostasia, que no contexto de seus leitores, significaria abandonar a doutrina
apostólica que tinham ouvido e recebido e seguir o ensinamento dos falsos
mestres, que negava a encarnação e a divindade do Senhor Jesus. “Pode-se
inferir do contexto que este pecado não é uma queda parcial ou a transgressão
de um determinado mandamento, mas apostasia, pela qual as pessoas se alienam
completamente de Deus” (Calvino).
Trata-se,
portanto, de um pecado doutrinário, cometido de forma voluntária e consciente,
similar ao pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo, cometido pelos fariseus,
e que o Senhor Jesus declarou que não haveria de ter perdão nem aqui nem no
mundo vindouro (cf. Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10). Em ambos os casos, há uma
rejeição consciente e voluntária da verdade que foi claramente exposta.
No caso
dos leitores de João, a apostasia seria mais profunda, pois teriam participado
das igrejas cristãs, como se fossem cristãos, participado das ordenanças do
batismo e da Ceia, participado dos meios de graça. À semelhança dos falsos
mestres que também, antes, tinham sido membros das igrejas, apostatar seria
sair delas (2.19), e se juntar aos pregadores gnósticos e abraçar a doutrina
deles, que consistia numa negação de Cristo.
Tal
pecado era “para a morte” por sua própria natureza, que é a rejeição final e
decidida daquele único que pode salvar, Jesus Cristo. “Este pecado leva quem o
comete inexoravelmente a um estado de incorrigível embotamento moral e
espiritual, porque pecou voluntariamente contra a própria consciência” (J.
Stott).
É
provavelmente sobre pessoas que apostataram desta forma que o autor de Hebreus
escreveu, dizendo que “é impossível outra vez renová-los para arrependimento,
visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e
expondo-o à ignomínia” (Hb 6.4-6). Ele descreve essa situação como sendo um
viver deliberado no pecado após o recebimento do pleno conhecimento da verdade.
Neste caso, “já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa
expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários”
(Hb 10.26-27). Este pecado é descrito como calcar aos pés o Filho de Deus,
profanar o sangue da aliança com que foi santificado e ultrajar o Espírito da
graça (Hb 10.29), uma linguagem que claramente aponta para a blasfêmia contra o
Espírito e a negação de Jesus como Senhor e Cristo (ver também 2Pd 2.20-22,
onde o apóstolo Pedro se refere aos falsos mestres).
Não é
sem razão que o apóstolo João desaconselha pedirmos por quem pecou dessa forma. Alguém
pode perguntar se Deus fecharia a porta do perdão se pessoas que pecaram para a
morte se arrependessem. Tais pessoas, porém, não poderão se arrepender. Elas
não o desejam. E além disto, o Senhor determinou sua condenação, a ponto de
João não aconselhar que oremos por elas. “Tais pessoas foram entregues a um
estado mental reprovável, estão destituídas do Espírito Santo, e não podem
fazer outra coisa senão, com suas mentes obstinadas, se tornarem piores e
piores, acrescentando mais pecado ao seu pecado” (Calvino).
Notemos
que nestes versículos João não chama de “irmão” aquele que peca para a morte.
Apenas declara que há pecado para a morte e que não recomenda orar pelos que o
cometem. É evidente que os nascidos de Deus jamais poderão cometer este pecado.
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Publicado originalmente aqui | Acesso em: 24 ago. 2017.
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