[Crônica] É brincadeira, senhora!

Por Adilton Andrade*   


    Sempre há verdades indizíveis ou escamoteadas nas brincadeiras. Quem não se lembra do empregado que entrou na sala do patrão exigindo um aumento de salário, aumento de hora extra, aumento de benefícios, e que essa era uma exigência do pessoal da produção, e ao escutar do patrão que este aumentaria o salário acima da inflação, daria um bônus extra de produtividade, duplicando o valor legal das horas extras, fornecendo um dia a mais de folga semanal a cada superação dos objetivos de produção, foi logo dizendo: “O senhor está brincando comigo?”, pra ouvir do patrão irônica e imediatamente: “Sim, mas foi o senhor quem começou a brincadeira!”.

        Há situações, porém, onde a ironia esfacela o entendimento e confunde os sentimentos. Essa já faz tempo. Dez horas da noite, saindo de João Pessoa, ao parar na antiga e extinta operação ‘Mãos ao alto’, praticamente o verdadeiro nome da antiga Operação Manzuá¹, operação caça-níqueis da polícia paraibana, ao ser abordado pelo policial corrupto sobre pra onde ia, e quem era, o Pr. Sergio Victalino² afirmou de bate-pronto: “Sou ministro”. Foi liberado automaticamente e sem maiores exigências, com deferências até, e nem deu tempo dele completar a frase: “... Do evangelho!”. O sacripanta nem conseguiu relacionar que a solidão do pastor naquela BR maldita não combinava com o aparato que sempre cerca autoridades, ainda mais ministros, e principalmente na atualidade quando canalhas condenam as ‘elites’ de um lado, e do outro curtem o caviar, em um jogo de cena digno de hipócritas fariseus do século primeiro!

        Recentemente fez sucesso no mundo sem fronteiras da internet uma piadinha despropositada. Um cidadão, adotando um comportamento tipicamente tupiniquim, daqueles bem brasilienses, ou de funcionários de alto escalão do nosso fétido poder judiciário, ou mesmo do apodrecido poder legislativo, quis dar uma ‘carteirada’ em uma barreira policial. Ao ser abordado foi logo dizendo que em sua família havia várias autoridades: “Meu pai é Procurador. Minha mãe é Promotora. Meu primo é Juiz!”. Ao ser dispensado nervosamente pelo chefe da operação foi questionado por um agente da Lei Seca: “Escuta aqui, que autoridades são essas?”. E o vagabundo logo esclareceu: “Meu pai é procurador de emprego há seis meses; minha mãe é promotora de vendas nas Casas Bahia; e meu primo é juiz de futebol da série C”.

         A princípio muitos querem fazer parecer que diversão não combina com cristianismo, nem o sorriso estampado é algo saudável para a vida piedosa, principalmente se a piedade for sincera e ganhar perseguição! Nenhum autor registrou que Jesus sorriu. Mas anotaram que chorou. Muito embora certamente nas Bodas de Caná, e tomando vinho, ele não estaria choroso! Dona Sara, mulher de Abraão sorriu ironicamente e foi advertida! Mas Paulo exortou por uma alegria incessante! Durma com uma bronca dessas! Uma irmã já até se declarou incomodada porque eu sorria muito! E alguém já deve ter me achado um perigoso desequilibrado pela minha completa falta de senso em muitas críticas, isso tudo sarcasticamente falando!

         Brincar nem sempre é se conseguir fazer entendido. E isso pode acender o pavio de um rastro de pólvora perigoso. Mas não há nada mais perigoso do que estabelecermos padrões segundo nossa própria régua moral, tão distorcida quanto a régua de quem brinca. Há um padrão estabelecido pelo evangelho, e há uma necessidade permanente de vigiarmos e distinguirmos o que é evangelho do que são apenas costumes, sentimentos, convenções sociais, tudo produto das bagagens que herdamos de cada grupo de convívio. Qualquer análise que despreze o evangelho será apenas julgamentos que provocarão outros julgamentos, num ciclo sem fim.

        E continuará valendo, posto que nem um til, ou jota, serão retirados da Palavra até a invasão do dia D, a necessidade de nos exortarmos mutuamente, e confessarmos estarmos nos escandalizando com algo que fira nosso estágio de maturidade cristã. Se isso não for feito, e o coração não estiver disposto a perdoar, será melhor não participarmos da comunhão do Corpo de Cristo. Mas se nosso escandalizar-se pessoalmente for apenas fruto de uma incapacidade emocional de entender o espírito comunitário será sempre bom nos tratarmos antes de tumultuarmos relacionamentos com especulações a respeito de supostas ironias incompreendidas. Isso tudo pra não precisar falar como uma irmãzinha, dessas que passaram pela igreja das Graças na última década, sempre seguindo o rastro de algum pastor, que me veio acusar de fazer brincadeiras sem hora. E, sarcasticamente, eu tive que remendá-la com um irônico: “É apenas brincadeira, senhora!”.

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Adilton Andrade é presbítero da Igreja Presbiteriana das Graças, Recife-PE, e há anos escreve crônicas do cotidiano e do ‘mundo eclesiástico’ tupiniquim, intituladas "Tenho Dito", enviadas por e-mail e/ou compartilhadas nas redes sociais.
¹Nome dado as blitz realizadas na Paraíba.
²Atual Pastor efetivo da Igreja Presbiteriana de Boa Viagem, Recife-PE.

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