A UNÇÃO COM ÓLEO: QUEM DEVE SER UNGIDO SEGUNDO TIAGO 5:14? | Leandro Lima
por
Leandro Lima*
"Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor". (Tg 5.14)
Nosso objetivo aqui é ponderar algumas
observações que, talvez, lancem mais luz sobre o assunto e nos ajudem a ver a
questão sob outro ângulo.
Inicialmente, é preciso dizer que,
provavelmente, o principal equívoco em relação à interpretação do texto de
Tiago seja a preocupação com o óleo em si mesmo, desconsiderando o contexto em
que ele foi utilizado. Há muito esforço por parte de alguns estudiosos para
dizer que trata-se de um óleo medicinal, o qual seria utilizado como uma
espécie de remédio. Nesse caso, a interpretação é falha porque o próprio texto
parece negar o poder do "óleo" de curar, dizendo antes que "a
oração da fé" salvará o enfermo.
Por outro lado, há um esforço por parte
de outros especialistas em desqualificar o próprio óleo, focalizando mais na importância
da oração, tornando o óleo algo opcional. É óbvio que a oração é fundamental, e
ela, segundo Tiago, levantará o enfermo, mas a questão aqui é que pouco adianta
tentar enfraquecer o uso do termo 'óleo', pois a ordem de utilizá-lo está no
texto, e não podemos removê-la. É preciso lembrar que todo o texto ordena que
se faça isso, usando verbos imperativos, e nesse sentido, o Supremo Concílio¹ foi coerente, pois não quis proibir algo que claramente é "mandado
fazer" na Escritura.
O ponto, provavelmente, que precisaria
ser mais trabalhado é justamente o contexto da afirmação de Tiago. Notamos que
a preocupação maior dos intérpretes está em definir o tipo de óleo ou o caráter
terminológico da palavra "ungir", e pouca atenção é dada às palavras
"doente" e "enfermo". Estariam elas realmente falando de
doença física?
Tiago orienta: "Está alguém entre
vós doente?". A palavra "doente" é astheney (ἀσθενεῖ),
a qual, prioritariamente tem o sentido de "fraco", "débil".
A palavra é aplicada desse modo, denotando "fraqueza espiritual" em
várias passagens do Novo Testamento. Em Romanos
14.1, Paulo usa essa palavra para falar do irmão "fraco" na fé.
Em 1 Coríntios 8.7, Paulo fala de
pessoas que têm uma "consciência fraca", utilizando essa mesma
palavra. Evidentemente, o termo pode ser aplicado para doença física, mas para
isso, o contexto precisa ser claro. E não parece ser esse o caso do contexto de
Tiago 5.
O contexto de Tiago 5 está evocando o perigo do pecado que acarreta juízo de Deus
e, ao mesmo tempo, o modo como alguém pode ser resgatado desse pecado através
do arrependimento e da oração por parte da igreja. No verso 11, Tiago elogiou
aqueles que "perseveram firmes", ou seja, que não se deixaram desviar
dos caminhos de Deus, mesmo sob intenso sofrimento, e menciona o exemplo de Jó
para isso. Porém, infelizmente, nem todos conseguem ser firmes e perseverantes
como Jó, e Tiago sabe disso.
No verso 12, ele faz uma advertência
formal: "Acima de tudo, porém, meus irmãos, não jureis nem pelo céu, nem
pela terra, nem por qualquer outro voto; antes, seja o vosso sim sim, e o vosso
não não, para não cairdes em juízo". Portanto, ele parece estar
mencionando alguma situação específica de perjuro entre os crentes, e
relembrando o ensino do Senhor para que evitassem juramentos formais, mantendo
apenas o padrão da verdade através de respostas simples: sim, sim; ou, não,
não. Ou seja, um crente não pode viver "aquém" daquilo que a Palavra
ensina, pois a fé sem obras é morta (Tg
2.26), mas também não deve ir "além". Um excesso de rigor pode
levar o crente a uma vida de legalismo, e, consequentemente, de uma fé morta
pelo caminho oposto. De qualquer modo, Tiago está alertando o crente a evitar
ser atingido pelo juízo de Deus por causa de um pecado que lhe cause uma queda
espiritual.
Nesse contexto ele diz: "Está alguém
entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém alegre? Cante louvores" (Tg
5.13). "Sofrendo" é a tradução da palavra kakopathia (Κακοπαθεῖ),
e literalmente significa "sentimento mau". A ideia é de um sentimento
de aflição. Ou seja, se alguém está aflito, provavelmente em decorrência das
pressões do mundo, deve fazer oração. Por outro lado, se está livre disso, ou
seja, se mesmo enfrentando o sofrimento e a tribulação impostos pelo mundo,
continua "animado" (εὐθυμεῖ),
então deve "cantar salmos" (ψαλλέτω). Nisso percebemos que ele está
descrevendo situações emocionais e, ou, espirituais. Não se tratam de aspectos
físicos, mas de estados de espírito, ou seja, o contexto se encaixa mais numa
descrição de uma "doença espiritual".
Então, temos os versos 14-15: "Está
alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração
sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o
enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão
perdoados". Ou seja, se alguém está "débil" na fé (oposto de
animado), possivelmente por alguma situação de pecado que gerou um
"desvio" espiritual, essa pessoa deve chamar os presbíteros da
igreja, e eles devem ungi-la com óleo, e orar por ela. Consequentemente, a
oração da fé "salvará o enfermo".
Essas duas palavras são muito
importantes. "Salvará" no texto grego é σώσει (sósei). O termo típico para salvação de pecados. E enfermo é
κάμνοντα (kamnonta) que tem o sentido
primário de "exaustão". Portanto, o Senhor "salvará o
desanimado". É claro que todos esses termos podem ser aplicados a
"doença física", mas o assunto de Tiago não é "doença
física" e sim "doença espiritual". Ele está falando,
provavelmente, de uma pessoa que pecou gravemente, se afastou dos caminhos de
Deus, porém, ao ser tocada pelo arrependimento, deseja voltar, mas não tem
forças. Assim, os presbíteros devem formalmente ir até ela, orar por ela e
ungi-la. Assim, formalmente, o pecado cometido fica perdoado diante de Deus e
dos homens. Nesse caso, o óleo é o símbolo do Espírito Santo renovando a vida
espiritual desse pecador.
Que o assunto é esse, fica ainda mais
claro na sequência do texto: "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos
outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua
eficácia, a súplica do justo" (Tg
5.16). Ou seja, o pecador deve confessar seu pecado e receber oração
formal, assim, é reconduzido à comunhão da igreja.
Sobre a pergunta que poderia surgir, ou
seja, se homens pecadores poderiam fazer isso por outros pecadores, Tiago
responde com o exemplo de Elias: "Elias era homem semelhante a nós,
sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse
sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu. E orou, de novo, e o
céu deu chuva, e a terra fez germinar seus frutos" (Tg 5.17-18). Portanto, nisso está a eficácia da oração do justo.
Não é a ideia de perfeição de quem está orando, pois Elias é citado aqui como
"sujeito aos mesmos sentimentos", mas sua oração foi ouvida por Deus.
A metáfora de "abrir o céu" e "fechar o céu", no caso de
Elias, fica ainda mais significativa. Quando os presbíteros oram para que Deus
restaure o pecador arrependido, isso tem uma correspondência direta com o que é
decidido no céu. Em situação semelhante evocando disciplina, restauração e perdão
de pecados, no famoso Mateus 18,
Jesus disse: "Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá
sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos
céus" (Mt 18.18).
Os dois últimos versículos do capítulo e
do livro de Tiago não deixam dúvida de que o assunto é "perdão de
pecados": "Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e
alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho
errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados" (Tg 5.19-20).
Portanto, em que situação a carta de
Tiago autoriza os presbíteros a utilizarem o óleo? Para ungir qualquer doente?
Parece-nos que não. A prática desse ato pode facilmente conduzir aos abusos e a
uma consideração idolátrica do óleo. Formalmente, os presbíteros poderiam
utilizar o óleo para ungir um pecador arrependido, que cometeu um pecado grave
e se desviou do caminho de Deus (talvez perjuro), porém arrependido deseja
voltar, mas não tem forças espirituais para isso. Então, formalmente, os
presbíteros vão até ele quando chamados, oram por ele, ungem-no com óleo,
simbolizando a restauração espiritual através do Espírito Santo, e confiam que
seu ato realizado na terra foi confirmado no céu. Isso retira qualquer
"poder" de cura do óleo em si mesmo, e estabelece-o como um símbolo
da ação restauradora do Espírito Santo.
Alguns aspectos que fortalecem essa
interpretação são: a menção aos "presbíteros da igreja". Presbíteros
no plural, ou seja, uma comissão. Por que não apenas um presbítero? Haveria
mais poder de cura em vários presbíteros? A questão parece ser outra. O aspecto
aqui é o testemunho de várias "testemunhas". Importante também é a
menção à "igreja". Ou seja, Tiago poderia mandar que chamassem os
presbíteros, usando genericamente o termo, mas ele menciona explicitamente
"da igreja". É a primeira vez que ele menciona "igreja" em
sua carta. Provavelmente, ele está falando que aquele grupo de líderes deveria
ir até o pecador como um grupo formal representando a igreja no ato de
readmitir o "enfermo". Além disso, observe-se que eles deveriam
ungi-lo "em nome do Senhor". Mais uma vez, isso parece ser uma
referência a Mateus 18. Após indicar
que a decisão da igreja tomada na terra seria levada em consideração no céu,
Jesus declara: "Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre
a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem,
ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem
dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles" (Mt 18.19-20). Ou seja, os presbíteros
(mais de um) se reuniriam com o pecador e o ungiriam "em nome do
Senhor", garantindo assim, a restauração do mesmo.
Finalmente, pode ser notado que a unção
com óleo, entre os vários simbolismos que possui, tem um em especial para o
nosso tema: alegria (Sl 23.5, 45.7, Pv 27.9, Ec 9.8, Dn 10.3). Em terminologia que nos
parece bastante semelhante à do contexto de Tiago 5, Isaías profetizou a respeito da missão do Messias como:
"apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a
consolar todos os que choram, e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma
coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em
vez de espírito angustiado" (Is
61.2-3, grifo meu). Esse simbolismo de perdão e aceitação alegre em referência ao óleo
ainda pode ser visto em Ez 16.8-10.
Em contrapartida, o uso do óleo, porém sem arrependimento, é condenado em Amós 6.1-6 (especialmente o verso 6).
Minha opinião sobre a prática:
"Tiago está refletindo e orientando uma prática da primeira comunidade
cristã, oriunda do Judaísmo, na qual os símbolos culturais eram bastante
importantes, e o Espírito Santo, simbolizado pelo óleo, podia ser utilizado
como selo da restauração espiritual do pecador. Em princípio, a evidência de
enfermidade física, nesse caso, é bem efêmera, mas não posso descartá-la.
Considerando que os símbolos culturais são adaptáveis (como foi o caso do véu
em Corinto, e sob outra situação a ordenança das observâncias judaicas
temporárias do Concílio de Jerusalém em Atos 15), não vejo necessidade de
insistir no uso do óleo nos dias atuais, pois vivemos no contexto de uma igreja
que se desprendeu dos símbolos vetero-testamentários.
________
Leandro
Lima é ministro presbiteriano, pastor auxiliar da IP
Santo Amaro-SP, escritor e conferencista.
Texto
publicado originalmente aqui¹ SC-E/IPB-2014-DOC. XVII.
Que exclarecedor!
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