SOBRE O CONTENTAMENTO
Passer Domesticus, também conhecido como pardal (cf. Mateus 6.26). |
Matthew Henry, o famoso
estudioso e comentarista bíblico, certa vez foi abordado por ladrões e teve sua
bolsa roubada. Nessa ocasião, ele escreveu as seguintes palavras em seu diário:
“Deixe-me agradecer, primeiro porque eu nunca fui assaltado antes; em segundo
lugar, porque, embora tenham tirado de mim a minha bolsa, eles não tiraram a
minha vida; em terceiro, porque, mesmo que tenham levado tudo que eu tinha, não
era muito; e em quarto, por que fui eu quem foi roubado, não eu quem roubou”. Essa disposição do
comentarista nos leva à reflexão sobre o que significa ser contente. O certo é
que o mundo tem condicionado os homens a julgar sua condição de acordo com a
manutenção das suas vontades e com o acúmulo dos seus bens. Para o sistema
mundano, de agora e de sempre, se alguém tem o que quer e pode comprar tudo que
deseja — principalmente se as outras pessoas não puderem —, então, trata-se de
uma pessoa feliz e favorecida. Mesmo no meio das igrejas — as falsas e até
algumas verdadeiras —, a prosperidade é considerada uma evidência da bênção de
Deus e sem a qual a vida não tem sentido.
Apesar disso, Paulo
mostra que o “lucro” segundo o mundo não é como aquilo que Deus considera lucro
de verdade: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1Timóteo 6.6). Duas qualidades são
encarecidas pelo apóstolo. Em primeiro lugar, a “piedade”, ou seja, a pureza de
vida, o desenvolvimento da santidade e a prática da devoção e dedicação de vida
ao Senhor. Em segundo lugar, o “contentamento”. Enquanto a primeira qualidade
tem sentido em si mesma, a segunda necessita certa explicação e
contextualização — o que Paulo realmente faz nos versículos seguintes. Ao fazê-lo, mostra que o
crente deve viver satisfeito com a condição em que Deus o colocou, mesmo quando
isso significa uma situação financeira diferente da que ele deseja. Não se
trata de o crente fazer um “voto de pobreza”, mas de estar contente em qualquer
circunstância, levando em conta o quadro completo que perfaz a condição dos
salvos por Jesus. Significa não atrelar sua felicidade ao dinheiro e aos bens
que se possuem. Para tanto, Paulo apresenta três razões.
A primeira razão é a transitoriedade dos bens: “Porque nada
temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele” (1Timóteo 6.7). A felicidade do crente
não pode vir do dinheiro porque ele não o acompanhará na eternidade. Na
verdade, nossa condição eterna em nada depende dos bens, mas da obra e do amor
de Cristo concedido “gratuitamente”: “Porque pela graça sois salvos, mediante a
fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Efésios
2.8). Chega a ser irônico, no mundo ganancioso em que vivemos, que o maior
“bem” de todos e o único que irá durar para sempre seja gratuito. Por isso,
grande loucura é buscar riquezas no mundo e ser pobre diante de Deus (Sl 49.17; Lc 12.20,21; Lc 16.22,23).
Se isso contém uma lição para os incrédulos, muito mais para os crentes, os
quais não devem se considerar “felizes” e “abençoados” pelo que possuem, mas
pela salvação e vida eterna que receberam pela fé.
A segunda razão é o suprimento das necessidades básicas:
“Tendo sustento e com que nos vestir estejamos contentes” (1Timóteo 6.8). Infelizmente, quem vive se queixando de não ter o
que deseja, esquece-se que Deus tem fielmente concedido aquilo de que ele
necessita. Uma observação ingratamente seletiva faz muitos crentes notarem o
que não têm e ignorarem o que têm. Mas basta atentar para o que acontece a
pessoas que carecem do suprimento básico para se dar valor ao cuidado diário que
Deus tem para com seus filhos: “Observai as aves do céu: não semeiam, não
colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta.
Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? ” (Mateus 6.26).
A última razão é o risco de desvio da fé: “Ora, os que
querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências
insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque
o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se
desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1Timóteo 6.9,10). Infelizmente, os
homens amam tanto o dinheiro que muitas vezes abandonam o bem e a justiça para
obterem lucro. O mais triste é que, nessa busca, até crentes transformados por
Jesus voltam a agir como homens perdidos que eram. Abandonam o que têm valor
eterno e se lançam à busca do que é passageiro. Falsas justificativas para isso
não faltam, mas Deus não aceita nenhuma delas e vê manchada a comunhão entre
ele e seus servos: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de
aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro.
Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mateus
6.24).
Portanto, como homens
renovados, devemos nos portar com dignidade e saber viver de maneira grata pela
salvação eterna e contente com aquilo que Deus nos dá nessa vida, seja muito ou
pouco: “Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em
toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de
tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como
de fome; assim de abundância como de escassez” (Filipenses 4.11,12).
Que a nossa vida tenha
valor por causa daquele que é precioso e que jamais nos abandona, o qual nos deu
o que não se pode perder: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as
coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca
jamais te abandonarei” (Hebreus 13.5).
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