CASAMENTO 'OBRIGATÓRIO': Uma ditadura

Que o casamento é uma instituição divina, disso não tenho, nem imagino que você tenha dúvidas. Bem como todas as implicações atreladas ao deixar pai e mãe e unir-se à sua esposa (Gênesis 2.24). Porém, observo no evangelicalismo brasileiro uma tendência - bem antiga, segundo relatos - de trazer o tema do casamento à categoria de obrigatório.

O discurso não entrega, mas a prática sim. Não sou contra ministério de casais ou voltados para família. Muito pelo contrário! Vibro quando iniciativas em prol da família cristã são coordenadas em nossas igrejas, mas me preocupo se o que temos ensinado tem sido suficiente para ajudar pessoas a lidarem com o tema de maneira bíblica e saudável. Minha preocupação é instruir pessoas a lidarem com namoro, noivado, casamento e... solteirice!

Discordando de Tom Jobim

Não sou músico - apesar de ser um dos meus sonhos não realizados - mas sou apaixonado por [boa] música. Um dos artistas que mais aprecio e cujo talento admiro é Tom Jobim, morto em 94. Wave foi por muitos anos meu toque de celular e despertador, me fazendo acordar ao som do melhor da Bossa Nova. Apesar de ser uma bela composição e uma música e tanto, discordo do famoso refrão romântico fundamental é mesmo o amor / é impossível ser feliz sozinho. A primeira estrofe ganha ares bíblicos (1 Coríntios 13), mas a segunda, não.

Não posso negar que sou mais feliz ao lado de minha esposa, do que quando solteiro. Porém, é preciso saber que estar casado não é condição sine qua non para ser feliz. As Escrituras não ensinam isso!

Muitos têm projetado expectativas no casamento, enxergando-o como saída para dramas ou dificuldades pessoais. Uma vez contraído o matrimônio, passam a alimentar o desejo egocêntrico de ser feliz acima de qualquer coisa ou pessoa - inclusive do cônjuge -. Qualquer felicidade atrelada pura e exclusivamente a pessoas ou situações, como o início de um relacionamento, não podem substituir Deus em nossas vidas.

Outra faceta do problema do casamento enxergado como obrigatório, é empurrar jovens casais ao altar precipitadamente. A síndrome de cupido parece que fala mais alto que a responsabilidade de discipular novos casais a caminharem com Deus e refletirem sobre o importante passo da aliança conjugal. A torcida e empolgação são naturais quando vemos novos casais se formando. Na base da brincadeira até escapa um "E aí, vão casar quando?". Minha preocupação é para com os mais frágeis e neófitos. Precisamos levar em conta que lidar com isso de maneira leve e madura não é a regra.

A armadilha da idolatria

Finalmente, quando o ego está o tempo todo em evidência, a idolatria reina, tornando cada situação diferente ou contrária a que se deseja, em uma guerra. Nesse caso, a raiz do problema indica que ainda que o estado civil mude, o coração não mudará a menos que seja tratado. O sonho do casamento, ainda que lícito, pode causar danos se elevado a categoria de essencial ao bem viver.

Irmãos, empurrar pessoas ao casamento não deve ser nossa prática ministerial. Casamento é coisa séria e deve ser tratado com a beleza e alegria que ele detém, no entanto, com a responsabilidade e o compromisso que lhe são devidos. A literatura sapiencial de Provérbios guarda uma pepita preciosa a solteiros e casados: "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida" (Provérbios 4:23). Quando o coração é guardado no Senhor, o desejo do casamento deixa de ser uma ditadura a aprisionar todos os que esperam por encontrar alguém, e passa a ser um anelo sincero pela vontade d'Aquele que é soberano sobre nossas vidas e nos ama incondicionalmente.