PEQUEI CONTRA TI



Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar. Salmos 51.4

            Quem nunca provou o sabor amargo de entristecer a quem se ama? Em geral, a tendência é fugir, trocando arrependimento por autocomiseração, humilhação por justificativas, esperança por culpa. É sabido que o contexto desse Salmo é o terrível episódio narrado em 2 Samuel 11, quando o rei Davi adultera com Bate-Seba e executa o então esposo, Urias, o heteu.  Mais precisamente, o Salmo compreende o momento em que o profeta Natã confronta Davi, que a princípio responde tacitamente: Pequei contra o SENHOR (2 Samuel 12.13), o que corresponde ao início do verso 4 do Salmo 51, transcrito acima. O fim do capítulo 11 de 2 Samuel, anuncia o que muitos de nós esquecemos quando pecamos: Porém isto que Davi fizera foi mau aos olhos do SENHOR. (v.27). Sim, antes de qualquer consequência nefasta que passarmos ou causarmos, desagradamos a Deus e esse é o pior de todos os frutos do nosso pecado.

            Os salmos penitenciais[1] são lamentos pessoais dirigidos a Deus. No cerne deles está a plena consciência da santidade divina e total falibilidade humana, sem que a última convicção ganhe a primazia. O foco é a santidade de Deus e Seu chamado para o imitarmos. Conforme revelado nas Escrituras, Deus não está interessado em remorso ou mera conscientização do erro. Discernir a natureza santa e incorruptível do Senhor em detrimento de minha debilidade e miséria deve me levar a um lugar. Esse é um denominador comum a toda humanidade, uma vez que é impossível ser neutro a respeito de Deus e o modo como nos relacionamos com Ele. Enquanto o zeitgeist[2] nos leva ao desprezo para questões como essa, salmos penitenciais como o 51, nos ensinam a amar a Deus e detestar o pecado mesclando confissão com esperança. O desespero – falta de esperança – me leva para a minha absoluta incapacidade de tratar o meu próprio mal e a essa constatação é acrescentado um ponto final. Diametralmente oposta, a esperança me leva a crer num Deus que é absolutamente capaz de me purificar e renovar, dando-me forças – em Cristo e em Seus méritos –  para continuar a viver agradando ao Senhor.

Diante disso, naturalmente chegamos ao entendimento de que as consequências de nossos pecados devem ser, quando possíveis, reparadas quanto a danos e prejuízos. Mas quando a preocupação primeira são os efeitos colaterais, perdemos de vista o sentido do verdadeiro arrependimento. Perdemos a noção de que é contra o Senhor que essencialmente pecamos.



[1] São assim designados os salmos 6,32,38,51,102,130 e 143. Excetuando-se os salmos 102 e 130, os demais são de autoria de Davi. São assim chamados por sua ênfase no pedido de perdão por pecados cometidos. Foram assim designados por Cassiodorus no sexto século e colocados no Livro das Horas - livro devocional muito usado na Igreja durante a Idade Média.

[2] Termo alemão cuja tradução significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. O Zeitgeist significa, em suma, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.

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