GUARDARÁS A MINHA ALIANÇA, TU E A TUA DESCENDÊNCIA: O Batismo Cristão na Perspectiva Bíblico-Reformada (Parte IV)
Finalmente,
e com relação às crianças: elas devem ser batizadas? A resposta a essa pergunta
depende da resposta a uma questão mais ampla: qual é a condição das crianças no
pacto da graça [cf. Parte III]? Elas fazem parte da família da aliança?
NO ANTIGO TESTAMENTO
A questão realmente importante
acerca do batismo infantil como a circuncisão
cristã, portanto, é a seguinte: as crianças foram incluídas como
beneficiárias do pacto que Deus fez com Abraão? A resposta é evidentemente
positiva. Na instituição da circuncisão, as crianças foram explicitamente incluídas
como beneficiárias da aliança, isto é, como membros da igreja visível do Antigo
Testamento. Por essa razão, elas deveriam ser circuncidadas: “O que tem oito
dias será circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações (...)”
(Gênesis 17.12). A circuncisão poderia ser instituída apenas para os adultos. Deus
poderia ter ordenado a Abraão que as crianças de Israel fossem recebidas como
membros do pacto apenas quando se tornassem adultas e evidenciassem fé nas
promessas da aliança. Entretanto, isso não ocorre. As crianças também foram incluídas,
porque era propósito de Deus que sua aliança fosse com Abraão e com a sua descendência,
desde a mais tenra idade[i].
É importante compreender que a
aliança que Deus fez com Abraão, o pacto da graça, é a implementação histórica de
uma aliança eterna, que nunca foi anulada. Essa aliança, cujo selo era a
circuncisão, e agora é o batismo, a “circuncisão de Cristo”, é anterior a lei
de Moisés e, portanto, continua vigorando. A lei cerimonial em suas práticas –
não em seus princípios – foi abolida, é verdade. A lei de Moisés representa um parêntesis
na história da redenção. Entretanto, a aliança da graça com Abraão, instituída cerca
de 400 anos antes da lei de Moisés, jamais foi revogada. Trata-se de uma aliança eterna. As ordenanças, os
símbolos dessa aliança, sofreram transformações: primeiro, havia somente a circuncisão;
depois, foi acrescentada a páscoa; posteriormente, ambas foram substituídas pelo
batismo e pela ceia do Senhor. A forma externa, portanto, dos sacramentos da
aliança mudou, porém, a aliança permanece em vigor (cf. Gálatas 3.7-9, 14,29).
É esse o argumento do apóstolo Paulo
em Gálatas 3.17. Demonstrando que a lei de Moisés não pode invalidar a aliança
com Abraão, ele assevera que “uma aliança já anteriormente confirmada por Deus,
a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, de
forma que venha a desfazer a promessa”. Por conseguinte, a aliança mencionada
no Novo Testamento não é outra aliança, uma aliança recentemente estabelecida que anulou a aliança feita com
Abraão. É a mesma aliança, renovada por Jesus, o Mediador da aliança (cf.
Gálatas 3.27,29, Hebreus 12.24). A nova aliança é o maravilhoso cumprimento da
promessa feita primeiramente em Gênesis 3:15 e mais claramente à Abraão, ou
seja, a plenitude da promessa na qual esperavam verdadeiramente os crentes do Antigo
Testamento, pois Paulo ensina que o Evangelho foi anunciado aos crentes do Antigo
Testamento (Gálatas 3:8).
O fato é que a igreja é a mesma.
Somos membros de um mesmo corpo. Somos a ‘‘comunidade do pacto’’. Somos os
verdadeiros descendentes de Abraão. ‘‘Os da fé é que são filhos de Abraão’’ (Gálatas
3:7). Somos (a igreja cristã) os ramos que foram enxertados; nos tornamos
participantes da mesma raiz e da mesma seiva da oliveira (Romanos 11:17). O
meio de salvação também não mudou. Somos salvos hoje do mesmo modo como foram
os crentes na época do Antigo Testamento; isto é, pela graça soberana de Deus
mediante o arrependimento e a fé nas Suas promessas, entre as quais a principal
era a vinda do Messias, o Redentor de Israel[ii]
(Romanos 4:1-17). Logo, por que razão os filhos dos membros da nova aliança
deveriam ser excluídos da comunidade do pacto, da igreja visível? Por que
negar-lhes o selo do pacto: o batismo?
NO NOVO TESTAMENTO
Se o batismo é o selo do pacto da
graça, e as crianças na antiga dispensação estavam incluídas como beneficiarias
desse pacto, a pergunta que deve ser feita, agora, na dispensação do evangelho,
é a seguinte: o Novo Testamento exclui as crianças da condição de beneficiárias
do pacto da graça? A resposta é não.
Em nenhum lugar do Novo Testamento os filhos dos que pertenciam à aliança – os quais
tão enfática e explicitamente nela foram incluídos em Gênesis 17 – são excluídos.
Pelo contrário, no Novo Testamento há declarações que não teriam sentido se
elas devessem ser excluídas dessa condição. Primeiramente, o próprio Senhor
Jesus afirma que as crianças pertencem ao seu reino: “Deixai vir a mim os
pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus” (Lucas 18.16).
Fazendo referência a este acontecimento, Francis Turretin, teólogo reformado do
século XVII, pergunta:
Pois bem, se foi correto os infantes serem trazidos a Cristo, por que também não serem recebidos para batismo, o símbolo da nossa comunhão com Cristo? Por que a Igreja não deveria receber no seu seio aqueles a quem Cristo recebeu no seu?[iii]
Por que
então [você pode perguntar], Jesus apenas abençoou, mas não batizou essas
crianças? Porque, Jesus não julgou oportuno batizar ninguém naquele estágio da história da redenção (cf. João 4.2). Contudo,
como explica Ferguson, a linguagem pactual de Jesus, ao abençoar essas
crianças, estabelece “o fundamento teológico para o batismo infantil”[iv].
O apóstolo Pedro confirma que a
promessa inclui os filhos da promessa: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que
ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (Atos
2.39, grifo meu). Pedro poderia ter dito apenas que a promessa era “para vós
outros e para todos os que ainda estão longe”. Mas acrescentou “para vossos
filhos”. Por que razão ele diria isso, se os filhos devessem ser excluídos da
família da aliança na nova dispensação?[v]
O apóstolo Paulo, por sua vez,
reconhece a posição dos filhos como “santos”, quando pelo menos um dos pais é
crente. Escrevendo aos Coríntios, ele orienta os cônjuges que haviam se
convertido a não se separarem pelo fato do outro cônjuge continuar descrente,
argumentando que “o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a
esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente”. E acrescenta: “Doutra
sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos” (1 Coríntios
7.14). Isto é, os filhos de pelo menos um cônjuge crente são considerados “santos”
– no sentido cerimonial, designando separação
do mundo para Deus, consagração, frequentemente
empregado para designar membros da igreja visível, no Novo Testamento,
especialmente nas epístolas paulinas[vi]. Existem
também exemplos implícitos da prática do batismo infantil nas páginas do Novo
Testamento, quando casas inteiras (famílias) foram batizadas. É o caso de
Lídia, do carcereiro de Filipos e de Estéfanas, entre outros. Acerca de Lídia,
é dito que o Senhor abriu o seu coração para crer, e: “Depois de ser batizada,
ela e toda a sua casa (...)” (Atos 16.15). Com relação ao carcereiro, nesse
mesmo capítulo de Atos, o mesmo pergunta a Paulo e Silas o que deveria fazer
para ser salvo, os quais respondem: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua
casa. E lhe pregaram a palavra de Deus e a todos os de sua casa. Naquela mesma
hora da noite, cuidando deles, lavou-lhes os vergões dos açoites. A seguir, foi
ele batizado, e todos os seus. (Atos 16.31-33).
A realidade é que o batismo de
famílias não é exceção, mas norma no Novo Testamento: dos nove casos nominais
de batismos mencionados[vii],
dois não tinham família: o eunuco etíope e Paulo; e cinco tiveram suas famílias
batizadas. Não precisamos estranhar que Deus tenha incluído os filhos e a descendência
na sua aliança na nova dispensação. Ele se relaciona salvífica e judicialmente não
apenas com indivíduos, mas com famílias. Em todos os casos, no Antigo
Testamento, o padrão de administração da aliança inclui um princípio de
inclusão da família e de gerações subsequentes. Kevin DeYoung acrescenta:
“O ônus da prova recai sobre aqueles que negam às crianças um sinal que receberam por milhares de anos. Se as crianças estavam [no Novo Testamento] de repente fora do pacto, e foram impedidas de receber qualquer sinal "sacramental", certamente uma mudança tão grande, e a controvérsia que se seguiria, teria sido registrada no Novo Testamento. Além disso, seria estranho para as crianças serem excluídas do pacto, quando tudo se move na direção de maior inclusão da antiga para a nova aliança”[viii].
Note
que, na antiga aliança, até mesmo Ismael – que não era filho da promessa, ou
seja, não pertencia à aliança – foi circuncidado aos 13 anos de idade (Gênesis
17.25). Naquela altura Ismael já era um rapazinho e foi circuncidado juntamente
com seu pai. Quando Isaque – filho da promessa – finalmente nasceu, Abraão não
negligenciou o mandamento e tratou de cumpri-lo conforme o padrão estabelecido
por Deus, compare Gênesis 17.12 com: “Abraão circuncidou a seu filho Isaque,
quando este era de oito dias, segundo Deus lhe havia ordenado” (Gênesis 21.4).
[i] Na verdade, os filhos foram incluídos não apenas
na aliança com Abraão, mas em todas as alianças no Antigo Testamento: com Adão
(Gn 15.3), com Noé (Gn 9.8), com Moisés (Dt 29.1-15), etc.
[ii] Ver Jo 8.56; Rm 4.1-17; Ef 2.20-23 e Hb
10.1-12.
[iii] Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, trad. George Musgrave Giger, ed.
James T. Dennison, vol. 3 (Philippsburg: Puritan & Reformed, 1997), p. 417.
[iv] Ferguson, Infant Baptism View, p. 109.
[v] Os credobatistas [google it] limitam o significado do termo “promessa”, aqui,
exclusivamente ao derramamento do Espírito, praticamente eliminando a sua
relação com a aliança com Abraão (cf. Bruce A. Ware, “Believers Baptism View”, em Infant
Baptism View, in Baptism: Three Views, ed. David F. Wright (Downers Grove,
IL: InterVarsity, 2009, pp. 35-37). Essa interpretação, entretanto, não explica
a inclusão deliberada da expressão “e para vossos filhos” de Atos 2.39, nem faz
justiça à perspectiva futura da promessa da aliança (como em Jeremias 31.31-34
e 32.38-40), conforme argumenta Ferguson em Infant
Baptism View, p. 103 e “Infant
Baptism Response”, 57-58.
[vi] Rm 1.7; 8.27; 12.13; 15.25-26; 16.15; 1 Co
1.2; 6.1,2; 14.33; 16.1,15; 2 Co 1.1; 8.4; 9.1, 12; 13.13; Ef 1.1; Fp 1.1; Cl
1.2, etc.
[vii] Simão, o mágico (Atos 8.13), o eunuco etíope
(Atos 8.38); Paulo (Atos 9.18), Cornélio (Atos 10.48; 11.14), Lídia (Atos
16.15), o carcereiro de Filipos (Atos 16.33), Crispo (Atos 18.8; 1 Coríntios
1.14), Gaio (1 Coríntios 1.14) e Estéfanas (1 Coríntios 1.16). São esses os
nove casos de batismos mencionados pelo NT.
[viii] Kevin DeYoung, em A Brief Defense of Infant Baptism, (The Gospel Coalition),
disponível online aqui. Acessado em: 20 de outubro de 2016.
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