ESQUENTA BANCO: AVALIANDO O ATIVISMO NA IGREJA LOCAL
Você conhece o termo esquenta
banco. Ele se refere – na imensa maioria das vezes – àqueles que não estão
envolvidos nos ministérios e departamentos da igreja local e constantemente são
assim chamados numa perspectiva negativa. Tenho colegas pastores – e eu mesmo
já o fiz num passado não tão distante – que tratam do assunto repreendendo
severamente os esquenta banco por “não
cumprirem seu papel no corpo de Cristo”. Quando pastores e líderes falam sobre
a presença de esquenta bancos, estão chamando todos a se levantarem e fazerem alguma coisa. Mas será que devemos
encarar dessa maneira? Ou melhor, será que as Escrituras amparam esse tipo de
abordagem?
Bom, eu entendo que nós pastores temos dificuldade em
encontrar voluntários para funções importantes relacionadas ao pastoreio da
igreja. Mas não tenho certeza se a solução é desdenhar aqueles que estão
esquentando os bancos e tratá-los como consumidores que “recebem” os serviços
da igreja, mas “não dão nada em retorno” por meio de voluntariado. Eu não creio
que é útil dizer às pessoas que se elas não estão fazendo alguma coisa, elas não estão contribuindo para a obra do corpo. A
mentalidade de que todos precisam estar fazendo alguma coisa levanta algumas
questões relacionadas ao propósito e à função da igreja. A primeira coisa a
fazer é definir o que a igreja é e, claramente, ao longo da história, houve
muita discordância sobre isso.
Igreja: Uma definição ontológica
Em definição simples, mas não
simplória, à luz das Escrituras, igreja é o corpo dos crentes da nova aliança
em Cristo, chamados pelo Pai e unidos pelo Espírito. A presença física da
congregação incorpora isso em uma localização específica sob a liderança
autorizada e com a presença dos sacramentos. Mas, mais importante, é que a
igreja é definida como uma função ontológica, isso é, a essência do que ela é,
não do que ela faz. Em outras palavras, a igreja faz de acordo com que é. Mark Dever afirma que a igreja é o Evangelho tornado visível, e o Evangelho, por sua vez, não se trata de um conjunto de atividades desenvolvidas por um grupo de pessoas capitaneadas por um ou mais líderes.
Lembro-me de, no início de minha caminhada cristã, ser membro
de uma outra denominação e em determinado momento questionar as doutrinas e
práticas dessa comunidade, comparando-as com as Escrituras. Eu era extremamente
ativo nessa igreja e um belo dia ouvi de um irmão querido a seguinte
declaração: “Nossa igreja tem tanta atividade, tanta atividade, que não dá
tempo do camarada pecar! A gente tem muito a fazer, não é não? ”. Dando o
desconto à hipérbole do “não dá tempo nem de pecar”, percebi o quão sintomática
era aquela declaração e após orar, arrazoar e ouvir irmãos maduros na fé,
conheci a Teologia Reformada e mudei de denominação. Faço esse pequeno relato
para enfatizar o fato de que nós não somos igreja porque realizamos determinadas
atividades e funções. A identidade da igreja está indissoluvelmente ligada a
Cristo – Cabeça da Igreja – e Sua obra. Os feitos e atribuições são fruto do
que Cristo fez, “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus,
para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos
nelas” (Ef 2.10, grifo meu).
Edificar o corpo, ou certificar-se de que
todos estão ocupados?
Voltando à definição de igreja. Congregações locais devem
refletir como o corpo se relaciona com Cristo. Note na carta de Paulo aos
efésios a maneira como a igreja de Deus é descrita:
Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; No qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito. (Efésios 2:19-22 ACF)
Nós somos um organismo, no qual as partes estão unidas, que
contribui para o crescimento do corpo conforme cada parte realiza sua função,
como Efésios 4.16 indica. Certos dons são dados ao corpo “com o fim de preparar
os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado,
até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e
cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (Efésios
4.11-13). Note que não é qualquer dom e que eles estão diretamente relacionados
a como recebemos a palavra do Senhor[I].
Então eu olho para as epístolas pastorais que descrevem as
funções para realizar esse propósito, para que as pessoas sejam ensinadas, alimentadas
e capacitadas a desenvolver o ministério de Cristo. O que elas indicam, pra
mim, é que o corpo precisa se reunir para participar da comunhão que é
necessária para que se possa crescer e se edificar em amor. Isso não se trata
de uma função de dar, mas de receber. Em outras palavras, o foco primário deve
ser o de edificar o corpo, não de se certificar que todo mundo está fazendo
alguma coisa. De fato, eu até diria que quanto menos pessoas fazendo algo,
melhor[II].
Nossas reuniões devem ser um tempo de refrigério, reavivamento e renovo. E sim, isso inclui a parte da música também.
Estar ocupado não necessariamente é sinônimo
de crescimento
Veja, não me leve a mal. Eu não estou sugerindo que os
voluntários precisam ser descartados. De forma alguma! Os pastores precisam de
tanto apoio quanto for possível. O que estou querendo confrontar aqui é a
mentalidade que afirma que se alguém não está fazendo alguma coisa, é peso
morto. É uma mentalidade que iguala estar ocupado a serviço e crescimento
legítimos. Na teologia paulina, expressões como “perfeição” (ou “perfeito”, cf.
Filipenses 3.12) e “crescimento”, são, em geral, sinônimos de “amadurecimento”
ou “maturidade”. Em Efésios 4.13, “homem
perfeito” é a tradução mais recorrente em Português para ανδρα τελειον (andra teleion). Enquanto a primeira é
amplamente usada para designar “homem” – no contexto desse texto, obviamente
refere-se não ao gênero masculino, mas a homem e mulher – τελειον (teleion) semelhante à sua raiz τέλειος (teleios) significa: perfeito, (a)
completo em todas as suas partes, (b) pleno, de idade avançada, (c)
especialmente da plenitude do caráter cristão[III].
Fica claro que o número de atividades no qual eu estou
envolvido não determina minha maturidade (teleion) cristã. Não necessariamente! Durante a
formação da igreja primitiva, não vejo nada dessa ideia de que todo mundo deve
estar fazendo alguma coisa, nem de uma punição aos esquenta banco. Certamente
havia uns poucos que contribuíram na tarefa de ensinar e de servir. Mas a ação
era a contribuição de uns para com os outros com o intuito de edificá-los na
comunhão, no encorajamento e na oração. Nós podemos olhar para 1 Coríntios 12 e pensar que é uma
prescrição para o fato de que todos devem fazer alguma coisa. Mas na época
desse escrito, a listagem de Paulo dos dons falava mais a respeito de como
todos os dons trabalham em conjunto para a edificação do corpo. Eu não creio
que possamos olhar para essa lista, ou para Romanos 12.4-8, e concluir, em um contexto atual, que é uma lista
de ministérios para serem realizados todos os Domingos e em outras atividades
da igreja.
Conclusão
Isso leva à minha sugestão de que
não há problema em esquentar banco. Isso significa que há alguns que vêm à
comunhão e podem colaborar com dons para o corpo apesar de não ser por meio de
títulos oficiais ou funções ministeriais específicas. Alguém que exerce o dom
de misericórdia pode fazê-lo para edificação de outros de uma forma que talvez
nunca seja oficialmente observada. Serviço e encorajamento podem ocorrer além
da infraestrutura física de onde a igreja se encontra. Vir aos Domingos somente
para participar da comunhão do corpo, para aprender e para crescer é algo bem
razoável e bastante bíblico. Considere esse retrato da igreja primitiva: “E
perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e
nas orações”. (Atos 2:42).
Além disso, outras pessoas realmente
precisam esquentar bancos para lidar com circunstâncias excepcionais. A senhora
que vêm à igreja sozinha e precisa voltar para seu marido incrédulo rapidamente
após o culto provavelmente se beneficia por ser uma esquenta banco. Sem contar na perspectiva equivocada de que nós
vamos ao culto solene para apenas buscar
algo. É essencial reconsiderar essa ideia e discernir que vamos às nossas
congregações oferecer a Deus o culto
devido ao Seu nome. Não sei você, mas não vejo passividade nisso – mas esse já
é um outro assunto, “pano pra manga”, quem sabe para um outro texto. No fim das
contas, eu penso que nós precisamos reexaminar essa ideia de que esquentar
bancos é uma coisa ruim. Eu não penso que é, necessariamente. Nem penso que
isso significa que as pessoas não estão contribuindo para o corpo.
___________________
[I] Minha posição é que os apóstolos e os
profetas serviram como a fundação para o testemunho de Cristo e isso está
relacionado ao registro da Escritura. No contexto do Século I, fazia sentido
falar dos apóstolos e profetas ativamente proclamando a palavra do Senhor.
Hoje, não mais. Sobre o assunto, recomendo leitura do livro do Rev. Augustus
Nicodemus: Apóstolos - A Verdade Bíblica
Sobre o Apostolado, Editora Fiel, 2014.
[II] Igrejas pentecostais e neopentecostais têm
a prática de estimular o que é conhecido como “oportunidade”, que se trata da
participação ativa dos membros no culto público, intervindo na liturgia seja
dirigindo palavras à congregação ou entoando cânticos. O perigo é o pressuposto
nocivo de que o indivíduo só ‘participa do culto’ se for nesses termos, logo, o
sujeito que não canta, não fala, nem “prega”, se vê e é visto como mero
espectador.
[III] Strong's
Concordance, in Bible Hub: 5046 – Teleios:
http://biblehub.com/greek/5046.htm.
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