O DIA MUDADO: A OBRIGAÇÃO NÃO MUDADA | Por Joseph A. Pipa
No segundo século, um herege chamado
Marcião ensinou uma forma de gnosticismo cristão. Ele distinguia entre o Deus
do Antigo Testamento e o Deus revelado em Jesus Cristo. Ele negava que Cristo
fosse verdadeiro homem e também rejeitava o casamento. Visto que muitas de suas
doutrinas eram contrárias ao Antigo Testamento e porções do Novo, ele
desenvolveu seu próprio cânon (livros aceitos da Bíblia). A Bíblia de Marcião
incluía só um Evangelho editado de Lucas e dez das Epístolas de Paulo. Nem é
preciso dizer que, se o indivíduo edita a Bíblia, ele pode conseguir que ela
diga o que ele quer.
Hoje, um grande número de cristãos está
editando suas próprias Bíblias. Mesmo que teoricamente aceitem o Antigo
Testamento como parte da Bíblia, basicamente ignoram seu ensino ético. Creem na
sua história, apontam para suas profecias que foram cumpridas em Cristo, mas
insistem que suas doutrinas e regras devem estar repetidas no Novo Testamento
para que sejam imperativas para a igreja de hoje. Para todos os efeitos,
eliminam da Bíblia grande parte do Antigo Testamento.
Em resposta, os teólogos pactuais
reformados afirmam a unidade da Bíblia: que tudo que o Novo Testamento não
revoga permanece efetivo. Por exemplo, muito daquilo que os cristãos creem e
ensinam sobre o casamento e a família está revelado no Antigo Testamento. A
doutrina nossa do pacto e do lugar de nossos filhos no pacto se baseia, em
parte, nos procedimentos de Deus com seu povo nas Escrituras do Antigo
Testamento. De modo semelhante, os alicerces da doutrina do sábado como
instituição cristã foram construídos nas Escrituras do Antigos Testamento.
Buscamos estabelecer, a partir de Gênesis
2.1-3 e Êxodo 20.8-11, que a
observância do sábado é uma exigência moral permanente. Essa convicção é
confirmada na gloriosa promessa de Isaías
58.13,14. Portanto, a não ser que o Novo Testamento revogue essa ordenança,
ela permanece em vigor. Alguns sugerem que Jesus anulou a observância do sábado
em Mateus 12.1-14; já vimos,
entretanto, que Jesus restaurou o sábado e nos deu diretrizes de grande auxílio
pelos quais devemos examinar nosso comportamento nesse dia.
O
ensino de Paulo
Há outros que sugerem que o apóstolo Paulo
repudiou a ideia da observância do sábado. Esses adversários do sábado
neotestamentário baseiam seus argumentos em três textos. O primeiro é Romanos
14. 5,6:
“Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua propriamente. Quem distingue entre dia e dia para o Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus, e quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus”.
O segundo é Gálatas 4.10, 11:
“Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de v6s tenha eu trabalhado em vão para convosco”. [NT]
O terceiro é Colossenses 2.16, 17:
“Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir, porém o corpo é de Cristo”.
Os adversários da guarda do sábado mantêm
que a igreja neotestamentária não é mais obrigada a observar um dia especial, e
existem alguns que vão mais longe para dizer que observar o sábado no primeiro
dia da semana é uma forma de judaizar. De acordo com eles, guardar o sábado
rouba da pessoa a liberdade cristã; um indivíduo pode observar o dia que
preferir, mas não pode exigir que outros o observem.
Essa visão se deve a um mal-entendido do
que Paulo está dizendo nessas passagens. O texto-chave para o entendimento da
visão de Paulo é Colossenses 2.16, 17.
Essa passagem não só nos ajuda a compreender a abordagem de Paulo aos “dias”,
como também ensina que não podemos observar o sábado judeu (ou judaico) do
sétimo dia. Em outras palavras, Paulo
anula a observância do sétimo dia, mas não o princípio envolvido na lei do
sábado.
Uma rápida verificação do contexto nos
ajudará a entender corretamente a proibição de Paulo. No livro de Colossenses,
Paulo está contra-atacando uma heresia híbrida que combinava a doutrina
judaizante da salvação pelas obras, que incluía a observância da lei cerimonial
com a filosofia ascética do agnosticismo, que ensinava que Cristo era uma
emanação de Deus por intermédio de uma série de seres divinos menores, com a
adoração dos anjos e a abstinência de certas comidas e prazeres materiais e
físicos.
Em Colossenses
2, Paulo estabelece a autoridade suprema do Senhor Jesus Cristo como Salvador
e Legislador. Ele ensina que nós não servimos Cristo pela obediência a leis,
tradições e cerimônias de fabricação humana. Além disso, não chegamos a
conhecer Deus por meio da filosofia do mundo, mas sim por meio da revelação de
Deus nas Escrituras. À luz dessas coisas ele diz: “Ninguém, pois, vos julgue
por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados”. Na
primeira metade do versículo, ele trata da afirmação de que, por serem certos
alimentos imundos, os verdadeiramente santos irão se abster de comê-los. Mais
tarde Paulo faz referência às doutrinas ascéticas a que ele se opõe:
“...ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro -segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético, todavia, não têm valor contra a sensualidade” (CI 2.20-23).
Nessa passagem, ele repudia todo ensino
ascético sobre alimentos. A Escritura ensina claramente que um cristão pode
comer e beber com moderação qualquer coisa que Deus tenha dado (Mc 7.19; 1Tm
4.3-6). No versículo 16 (em Cl 2), Paulo trata do
assunto dos dias: “Ninguém vos julgue por
causa de dia de festa, ou lua nova, ou sábados”. Está Paulo anulando a
observância do sábado como tal, ou a observância do sábado do sétimo dia junto
com os outros dias cerimoniais? Encontramos a resposta a essa pergunta ao
examinarmos os três termos que Paulo usa:
“dia de festa ou lua nova ou sábado (ou dias de sábado) ”. Esses três
termos são usados frequentemente no Antigo Testamento para descrever os vários
dias cerimoniais que o povo de Deus era obrigado a observar.
Por exemplo, 2 Crônicas 31.2,3, descrevendo as reformas de Ezequias, diz:
“Estabeleceu Ezequias... a contribuição que fazia o rei da sua própria fazenda... destinada para os holocaustos, para os da manhã e os da tarde e para os holocaustos dos sábados, das Festas da Lua Nova e das festas fixas, como está escrito na lei do Senhor”.
E com respeito às reformas de Neemias,
ouvimos:
“Também sobre nós pusemos preceitos, impondo-nos cada ano a terça parte dum siclo para o serviço da casa de nosso Deus: para os pães da proposição, e para a contínua oferta de manjares, e para o contínuo holocausto dos sábados e das Festas da Lua Nova, e para as festas fixas, e para as coisas sagradas...” (Ne 10.32,22).
A tradução grega desses trechos (na chamada
Septuaginta) usa exatamente os três
termos que Paulo usa em Colossenses 2.16. Levítico
23 faz um comentário detalhado desses termos. Nesse capítulo, Moisés coloca
o calendário litúrgico todo da igreja do Antigo Testamento. Os versos 1-3
tratam do sábado semanal:
“Fala aos filhos de Israel e dize-Ihes: As festas fixas do Senhor; que proclamareis, serão santas convocações; são estas as minhas festas. Seis dias trabalhareis, mas o sétimo será o sábado do descanso solene, santa convocação; nenhuma obra fareis; é sábado do Senhor em todas as vossas moradas”.
À luz disso, vemos que Paulo usa o termo
“dias de sábado” para incluir o sábado do sétimo dia. Nos versículos 4 a 44 do capítulo 23,
Moisés explica as grandes festas da igreja do Antigo Testamento: a Páscoa, ao
qual está ligada a Festa dos Pães Asmos, a Festa do Pentecostes e a Festa dos
Tabernáculos. Paulo chama estas pelo termo “festas”. Além disso, em Levítico 23.24, 25, Moisés legisla observâncias especiais a serem
realizadas no dia primeiro do mês:
“Fala aos filhos de Israel, dizendo: No mês sétimo, ao primeiro do mês, tereis descanso solene, memorial, com sonidos de trombetas, santa convocação. Nenhuma obra servil fareis, mas trareis oferta queimada ao Senhor”.
Paulo tem em mente essa observância quando
usa a frase “luas novas”. Assim, com essas três frases, Paulo está descrevendo
os dias cerimoniais e sábados do Antigo Testamento, e diz que o cristão não
fica sob nenhuma obrigação de observar esses dias. Essa instrução era necessária no tempo da
transição da Antiga Aliança à Nova. Muitos cristãos judeus continuavam a
observar as festas e dias especiais da Antiga Aliança. Embora não estivessem
sob nenhuma obrigação de fazer assim, já que Cristo cumpriu o que essas festas
comemoravam, adoravam-no por meio delas. Durante esse tempo de transição,
estavam livres para agir assim. Não foi isso mesmo que Paulo estava fazendo
quando foi preso em Jerusalém (At 21.26)?
Antes, havia dito que queria estar de volta a Jerusalém a tempo para a Festa de
Pentecostes (At 20.16). Embora
Pentecostes não fosse uma celebração cristã, durante o período de transição da
adoração da Antiga Aliança à adoração da Nova Aliança, os apóstolos e outros
cristãos judeus observavam-no para celebrar a obra salvífica de Cristo. Da
mesma forma, hoje alguns judeus convertidos com frequência celebram ainda a
Páscoa em família para refletir sobre Cristo como o verdadeiro cordeiro
Pascoal.
Uma
sombra do que virá
Alguns, entretanto, sob o mesmo zelo mal
orientado que motivou os judaizantes a exigirem que os gentios fossem
circuncidados, estavam procurando impor esses dias aos cristãos gentios. Em
resposta, Paulo repudia qualquer observância obrigatória dos dias religiosos ou
festas judaicas, afirmando que a Igreja não poderá exigir a observância de
nenhum dia cerimonial do Antigo Testamento, porque foram “sombra das coisas que
haverão de vir, porém o corpo é de Cristo” (C12.17). Paulo nos faz lembrar que os rituais do Antigo Testamento
prenunciavam a pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. [1] A pessoa e obra de Cristo estão atrás de todas as observâncias
cerimoniais do Antigo Testamento: as festas, os sábados da lua nova e o sábado
do sétimo dia como o original divino.
Desde a eternidade, Deus, tendo nos
escolhido em Cristo, planejou a encarnação e sua grande obra da redenção. Desde
o começo da História, quando Deus começou a revelar sua verdade, Deus o Filho,
na perspectiva da encarnação, salientou-se acima de todas as coisas. A luz da
revelação brilhou sobre ele e projetou uma sombra sobre todos os eventos da
revelação do Antigo Testamento. Na providência de Deus, o adorador do Antigo
Testamento não pôde ver Cristo claramente; essa visão estava reservada para nós
que vivemos na plenitude do tempo (Hb
1.1,2; 11.39,40). Mas por meio dos rituais e cerimônias eles viram, sim,
sua sombra poderosa e majestosa.
Assim, todas as partes da adoração
cerimonial faziam referência àquele que era a substância. A luz da glória
brilhava de tal maneira sobre o Cristo pré-encarnado que sua sombra caiu sobre
os séculos por intermédio dos sacrifícios, do tabernáculo, do templo, do
sacerdócio, das escolas dos profetas, dos reis de Israel, das festas, das luas
novas dos dias de sábado. Tomemos, por exemplo, o tabernáculo e o templo. João
nos diz que a Palavra se tornou carne e tabernaculou
entre nós (Jo 1.14). Cristo
afirmou que ele era o templo verdadeiro (Jo
2.19), que cumpria tudo que o templo prometia. Ele é o verdadeiro Deus que
habita em meio do seu povo.
Depois de seu advento, o templo foi se
apagando até perder toda sua significância e não ser mais necessário (10 4.21-24), porque com todas as suas
festas e sacrifícios era apenas uma sombra. De forma semelhante, cada um dos dias
cerimoniais apontava para o Senhor Jesus Cristo e seu relacionamento com seu
povo. A Festa dos Tabernáculos lhes lembrava que Deus era o Deus da salvação
que livrara seu povo, e que eles eram nada mais que peregrinos e viajores nesta
terra que estavam indo adiante para uma cidade celestial, indo da sombra para a
realidade. No último dia da festa (chamado o oitavo dia como tipo ou prenúncio
da ressurreição), enquanto o sacerdote derramava água, Jesus apontou para si:
“No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus, e exclamou:
“Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (1o 7.37, 38).
A Páscoa o retratava como o Cordeiro de
Deus que veio para tirar o pecado do mundo (Jo 1.29). Junto a essa figura temos a da Festa dos Pães Asmos, um
retrato de sua ressurreição (1Co 15.23).
Exatamente na manhã em que o sacerdote se punha de pé no templo e movia os
primeiros pães de cevada (Lv 23.15-17),
Cristo surgia dos mortos, como os primeiros frutos, primícias dos que dormiram. Pentecostes, a grande festa da colheita,
era a sombra do derramamento do Espírito Santo e o ajuntamento das nações para
o Senhor Jesus Cristo. Em Pentecostes os judeus observavam a inauguração do
pacto no Monte Sinai pelo qual foram feitos reino teocrático de Deus. Portanto,
o Pentecostes é cumprido na inauguração da igreja do Novo Testamento com o derramamento
do Espírito Santo e o começo da colheita mundial do evangelho.
Israel observava a lua nova com sacrifícios
e ritual especial. O primeiro dia do mês era visto como o sábado semanal. O
retorno da lua nova provavelmente lembrava ao povo a certeza eterna das
promessas pactuais de Deus (Gn 8.21,22;
Jr 31.35,36; 33.25,26). E porque Cristo cumpriu todas as promessas do pacto, ele
substituirá a luz do sol e da lua (Ap
21.23).
O sinal de maior significância, contudo,
foi o sábado do sétimo dia. Quando Adão caiu em pecado, Deus deu a promessa do
Salvador. Até que ele viesse, os santos do Antigo Testamento permaneceriam sob
a servidão, aguardando o dia de sua herança (Gl 3.23- 26). No sábado do fim da semana, aguardavam a vinda do
Messias, o verdadeiro doador do descanso. Portanto, o dia que observavam, o
sábado, era sombra da vinda do Salvador. Quando ele veio, ele realmente fez
parte de sua obra expiatória no sábado do sétimo dia, ao ficar no túmulo,
sofrendo morte e sepultamento em lugar de seu povo. Quando ressurgiu no
primeiro dia, entrou no seu descanso.
Embora Paulo não mencione o sábado do
sétimo ano e o jubileu, eles também foram cumpridos em Cristo. Como notamos no
Capítulo 4, os sábados anuais não só ensinavam o povo a confiar em Deus para
sua subsistência, como também os ensinavam a ansiar pelo dia quando a dívida do
pecado será remida e os prisioneiros do pecado libertados. Em Lucas 4.18, 19, Jesus, citando Isaías 61.1, 2, aplica a linguagem do jubileu a si mesmo.
Um
dia em sete - O
modelo que continua
Portanto, o santo do Novo Testamento não é
mais obrigado a observar os dias cerimoniais do Antigo Testamento, nem o sétimo
dia do Antigo Testamento. Mas repare que nessa argumentação, Paulo nunca abre
mão do dever moral de se observar um dia em sete. Como vimos, na criação Deus
estabeleceu a obrigação moral de se guardar santo um dia em sete, e repetiu
essa obrigação nos Dez Mandamentos, junto com todos os outros grandes
princípios da religião revelada. O dia em si, no entanto, não foi parte da exigência
moral da lei, e sim uma lei positiva para regulamentar o cumprimento da
responsabilidade moral. Portanto, o dia da semana podia ser mudado. O Novo
Testamento revoga a observância do sétimo dia, mas nunca a obrigação de guardar
um dia em sete como sábado do Senhor. [2]
Está claro que a igreja primitiva continuou
a observar um dia em sete. Por que não adotaram outro modelo como cada terceiro
dia, ou cada décimo dia? John Owen responde a essa pergunta:
“E embora fique absolutamente certo que outro dia poderia ter sido fixado sob o Novo Testamento, e não um em cada revolução hebdomadária (de sete dias), por seus trabalhos próprios não terem sido bem terminados em seis dias, contudo esse tempo sendo antes fixado e determinado pela lei da criação. Nenhuma inovação ou alteração seria permitida no assunto”. [3]
Nem existe qualquer prova de que algum
intervalo tenha transcorrido entre a prática do adorar no sétimo dia e o adorar
no primeiro dia da semana. A igreja neotestamentária, mantendo a norma de um dia
em sete, imediatamente começou a adorar no primeiro dia da semana. E mais, a
prática do próprio Paulo confirma que ele não está removendo a observância de
um dia em sete, mas sim os dias cerimoniais judaicos. Em Atos 20.7, ele adora com a igreja de Trôade no primeiro dia da
semana. Em 1 Coríntios 16.1,2 ele dá
a entender que mandava todas as igrejas recolherem sua oferta para os pobres no
primeiro dia da semana.
Um entendimento correto de Colossenses 2.16, 17 também nos
possibilita interpretar Romanos 14.4-6.
Nesse capítulo, Paulo está discutindo leis cerimoniais judaicas. Como em
Colossos, algumas pessoas em Roma estavam propondo a observação de certas leis
judaicas que diziam respeito a comida e dias santos. Paulo diz que, embora as
pessoas sejam livres para seguir as leis judaicas de alimentos e dias santos,
elas não poderão exigir que outros sigam tais leis. Paulo, portanto, remove
toda e qualquer obrigação de se guardar os dias santos judeus.
Paulo discute a relação do cristão para com
a lei cerimonial judaica também em Gálatas
4.10. A lista, “dias, e meses, e tempos, e anos” se refere às várias
observâncias cerimoniais do povo da Antiga Aliança, parte daquele velho sistema
ao qual os gálatas foram tentados a se tornar escravos.
Portanto, Paulo nunca anulou a obrigação
moral de separar um dia em sete para adorar a Deus. O que ele fez foi revogar a
prática dos sábados e dias cerimoniais do Antigo Testamento. Vamos resumir o
que dissemos até aqui nas palavras de R.L. Dabney:
“Os fatos com os quais todos estamos de acordo, que explicam o sentido dessas passagens do Apóstolo, são os seguintes: Depois de estabelecida a nova dispensação, os cristãos convertidos dentre os judeus geralmente combinavam a prática do judaísmo com as formas do cristianismo. Observavam o dia do Senhor; o batismo e a ceia do Senhor; mas continuavam também a guardar o sétimo dia, a páscoa e a circuncisão. A princípio era proposto por eles impor esse sistema duplo sobre todos os cristãos gentios, mas o projeto foi repreendido pela reunião dos apóstolos e presbíteros em Jerusalém, registrado em Atos 15. No entanto, grande parte dos cristãos judeus... continuava a observar as formas de ambas as dispensações, e os espíritos inquietos dentre as igrejas mistas de convertidos judeus e gentios estabelecidas por Paulo continuavam a tentar impor I isso também sobre os gentios; alguns deles juntavam a essa I teoria ebionita a heresia mais grave de uma justificação por observâncias ritualistas. Assim, nessa época, era esse o quadro. Nas igrejas mistas da Ásia Menor e do Ocidente, alguns irmãos iam à sinagoga no sábado e à reunião da igreja no domingo, guardando os dois dias religiosamente, enquanto alguns guardavam só o domingo. Alguns se sentiam obrigados a guardar todas as festas e jejuns judaicos, enquanto outros não Ihes davam atenção. E aqueles que não tinham luzes cristãs que Ihes ajudassem a compreender que as observâncias judaicas não eram nada essenciais, sentiam sua consciência oprimida ou ofendida pela diversidade. Foi para resolver esse problema que o Apóstolo escreveu essas passagens. Até aqui estamos de acordo”. [4]
No entanto, prosseguindo, afirmamos que com
a mesquinha lista de “dias”, “meses”, “tempos“, “anos”, “dias santos”, “luas
novas”, “sábados”, o apóstolo quer dizer as festas judaicas, e apenas essas. A
festa dos cristãos, o domingo, não está em questão aqui, porque sobre a
observância deste não havia disputa nem diversidade alguma nas igrejas cristãs.
Judeus cristãos e gentios cristãos consentiam universalmente na santificação do
domingo. Quando assevera que a consideração ao dia, ou a não-consideração a
ele, não é essencial, assim como comer ou não comer, a interpretação natural e
legítima é que ele quer dizer aqueles dias que estão em questão e não outros.
Quando Paulo afirma que 'julga iguais todos os dias' (Rm 14.5), devemos entender que fazia referência a cada um daqueles
dias que eram objeto de diversidade -não ao domingo dos cristãos, sobre o qual
não havia qualquer discussão.
Duas
lições
Tendo estabelecido, pois, o princípio
apresentado por Paulo, podemos extrair duas lições muito importantes. Primeiro,
Paulo afirma claramente que a igreja do Novo Testamento não deverá observar o
sábado do sétimo dia. Grupos como os Batistas do Sétimo Dia e Adventistas do
Sétimo Dia reivindicam que, visto o Quarto Mandamento estar em vigor
permanentemente, a igreja deve continuar a observar o sábado do sétimo dia.
Esses grupos mantêm que a igreja primitiva
adorava no sétimo dia e só mais tarde, sob Constantino e o papado subsequente o
dia de adoração foi mudado para o primeiro dia da semana: “
... as pessoas guardam o primeiro dia da semana porque a igreja apóstata dos
tempos primitivos emprestou dos r pagãos o costume e passou-o para o
protestantismo. Os pagãos adoravam o sol nesse dia.…”
“O domingo sempre foi o dia do culto pagão.
Sempre foi dedicado ao deus do sol Da prática pagã da adoração do sol temos a
palavra “domingo“. [NT] Falando das
abominações sendo praticadas no tempo de Ezequiel, o profeta disse: 'Levou-me
para o átrio de dentro da Casa do Senhor; e eis que estavam à entrada do templo
do Senhor; entre o pórtico e o altar; cerca de vinte e cinco homens, de costas
para o templo do Senhor e com o rosto para o oriente. Adoravam o sol, virados
para o oriente' (Ez 8.16) ”. [5] Muitos adventistas interpretam o selo sobre
os 144 mil de Apocalipse 7 como
sendo a adoração do sétimo dia, e veem Daniel
7.25 como sendo uma profecia de que o apóstata mudaria o dia do sétimo ao
primeiro dia da semana.
Mesmo se houvesse evidência de que a igreja
primitiva (incluindo os gentios) adorava no sétimo dia (e não há evidência
disso), não se pode escapar das referências à adoração do primeiro dia (Atos 20.7; 1Co 16.1,2; e Ap 1.10).
Nem podemos escapar da proibição de se guardar o sábado do sétimo dia, de Colossenses 2.16, 17. Para os
adventistas, infelizmente, a proibição e prática apostólica não pesam. Um
escritor adventista diz: “Seja enfatizado que, mesmo se fosse encontrado apoio
apostólico para o domingo, ainda o cristão bíblico não o poderia aceitar. Nem
mesmo um apóstolo poderia mudar a lei de Deus”. [6] Uma abordagem tão soberba ao Novo Testamento se deve
principalmente a seu compromisso com as profecias de Ellen G. White. Na visão
deles, essas profecias têm autoridade divina e têm precedência sobre a prática
apostólica. No entanto, o ensino claro da Bíblia é que o sétimo dia foi
revogado.
A segunda lição é muito importante para
toda essa discussão sobre o dia em que a Igreja deve adorar. Se Paulo revoga o
sétimo dia, mas não o princípio moral de um dia em sete, como determinamos qual
o dia? Temos duas opções: ou a Bíblia nos revela qual o dia apropriado, ou a
igreja pode escolher o dia. Muitos, em toda a história da igreja, incluindo
Calvino, ensinaram que, como a igreja deve ter um dia para a adoração, ela pode
escolher o dia. A Igreja apropriadamente escolheu o primeiro dia por causa da
ressurreição. Contudo, fica aí entendido que a igreja está livre para mudar o
dia se assim desejar. Lutero ensinou em seu Catecismo Maior:
“Mas visto que a grande maioria está sobrecarregada com negócios, precisa haver algum dia da semana para atenção a esses assuntos, Como o costume inócuo do dia do Senhor conseguiu um consentimento unânime, somente confusão poderia resultar de uma inovação desnecessária”. [7]
Calvino expressa estar de acordo:
“Embora o sábado tenha sido revogado, ainda nos assiste ocasião: (1) para nos reunirmos em dias determinados para o ouvir da Palavra, o quebrar do pão místico e as orações públicas...”; (2) para dar descanso do trabalho a servos e operários..., Porém, estamos usando-o como um recurso, um medicamento necessário para se manter ordem na igreja... Também devemos observar juntos a ordem prescrita pela igreja para o ouvir da Palavra, a administração dos sacramentos e as orações públicas”. [8]
Quanto ao dia, Calvino acreditava que a
Igreja apostólica escolheu sabiamente o primeiro dia, porque foi o dia da
ressurreição de Cristo, Mas diz: “Nem me prendo ao número “sete” de modo a
obrigar a igreja sujeitar-se a ele, E não condenarei igrejas que têm outros
dias solenes para suas reuniões, contanto que não haja nenhuma superstição”. [9]
Mas de acordo com Paulo em Romanos 14 e Gálatas 4, nenhum homem ou igreja tem a prerrogativa de estabelecer
um dia para outros, Portanto, se somos proibidos de adorar no sétimo dia e não
podemos legislar um dia, a única alternativa é que Deus já legislou um novo
dia. Citando Dabney novamente:
“Se fomos bem-sucedidos em provar que o sábado é uma instituição perpétua, a evidência parecerá perfeita, A lei perpétua do decálogo mandou que todos os homens, em todos os tempos, guardassem um dia de sábado, e “até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5,18), O Apóstolo, em Colossenses 2,16, 17, diz-nos claramente que o sétimo dia não é mais nosso sábado, que dia é, então? Deve ter sido substituído por algum dia, e qual deles é mais provável de ser o substituto verdadeiro senão o dia do Senhor? A lei não é revogada; não pode ser. Mas Paulo mostrou que ela está mudada, para qual dia mudou o sábado, senão para o primeiro: nenhum outro dia da semana tem sombra de direito. Precisa ser este, ou nenhum; mas não pode ser nenhum; portanto tem de ser este”. [10]
________________
NOTAS:
[NT] — Gl 4.10-11; "Vocês
estão observando dias especiais, meses, tempos definidos e anos! Temo que os
meus esforços por vocês tenham sido em vão" (NIV).
[1] — Joseph A. Pipa, Jr., Root
and Branch (Filadélfia: Great Comission Publications, 1989), cap. 7-10,
[2] — Ver H.C.G. Moule, Colossians
and Philemon Studies (Londres: Pickering & Inglis Ltd) p. 175.
[3] — Owen, p. 362 (com minha ênfase).
[4] — Dabney, Lectures, pp. 385, 386 (ênfase minha)
[NT] — Em inglês, Sun - day,
dia do sol. Em contraste, no português: Domingo: (do latim, dies dominicu), dia do Senhor, Novo
Dicionário Aurélio).
[5] — Richard Lewis, The
Protestant Dilemma (Mountain View, Cal., 1961) pp. 85, 141, citado em
Jewett, 113.
[6] — Lewis, p. 103, citado em Jewett, 113.
[7] — Martin Luther, The
Larger Catechism (Filadélfia: Fortress Press, 1959), 20.
[8] — John Calvin, lnstitutes
of Christian Religion (Filadélfia: The Westminster Press, 1967) II, viii,
32, 33, 34, [As lnstitutas: João Calvino]
[9] — Calvin, II, VIl, 34,
[10] — Dabney, Lectures,
390, 391.
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