OIKOS: UMA DEFESA DO REAVIVAMENTO DA ECONOMIA DOMÉSTICA | por Arthur W. Hunt III
One of the Family (1880), por Frederick George Cotman |
Tua esposa, no interior de tua casa, será como a videira
frutífera; teus filhos, como rebentos da oliveira, à roda da tua mesa.1
Uma das estratégias mais
eficazes para converter um credobatista em um pedobatista é fazê-lo examinar a
antiga conotação do termo “casa” [no inglês, household]. Isso certamente funcionou comigo, enquanto me debruçava
sobre a literatura que me foi dada por gentis presbíteros e professores, os
quais não apenas queriam que eu me sentisse bem em uma nova denominação, mas
também sabiam que bastava um pequeno empurrão para me fazer aceitar toda a sua
confissão. Eu li o texto de Jonathan Watts, The
Oikos Formula [“A Fórmula do Oikos”], em The Case for Covenantal Infant Baptism [A Defesa do Batismo Pactual
Infantil], e logo ficou aparente que o batismo não era tanto um sinal da minha
fé pessoal, mas sim um sinal daquele que é Fiel não só em meu favor, mas também
em favor de minha família. Isso lançou uma luz completamente nova nos relatos
do carcereiro de Filipos, da casa de Lídia, e outros batismos de famílias
inteiras. Uma vez que eu conectei a continuidade do batismo do Novo Testamento
com a circuncisão do Antigo Testamento, a lâmpada se acendeu, e voilà! Eu me tornei um pedobatista.
Muito
diferente de nossos antepassados
Minha transição ao
pedobatismo foi notavelmente tranquila, mas a investigação que me levou a ele
levantou novas questões. Eu não podia deixar de pensar no tipo de vida que
existia sob oikos, no qual o pai era
o mestre, a mãe era um tipo de executora doméstica, e os filhos eram sucessores
em treinamento. Deve ter havido também uma família estendida na casa, assim
como aprendizes, trabalhadores assalariados e servos. Isso me incomodou. Pensar
que, por milhares de anos, o empreendimento doméstico não era apenas uma
unidade social, mas também econômica, foi algo tanto desconcertante como
intelectualmente estimulante. Talvez eu não tivesse prestado atenção em meu
professor de sociologia, ou talvez ele não tivesse enfatizado isso, mas, até o
século XVII, a maior parte do trabalho era realizado dentro de casa, e não
fora. Homens e mulheres, meninos e meninas, trabalhavam juntos, no mesmo lugar.
As tarefas na fazenda eram determinadas pelas tradições, necessidades e
habilidades que melhor se adequassem ao sexo de alguém. Os homens e os meninos
aravam, cercavam, transportavam e realizavam o trabalho especializado associado
à colheita. As mulheres e meninas mantinham a casa, cuidavam do gado, iam ao
mercado, preparavam refeições e faziam manteiga, queijo, pão e cerveja. Durante
a colheita, todos estavam no campo – homem e mulher, menino e menina. Esses
tipos de arranjos não eram assim apenas no campo, mas também na loja. Peter
Laslet escreve em The World We Have Lost
que “houve um tempo no qual a vida como um todo prosseguia dentro da família,
em um círculo de rostos familiares e amados, com objetos conhecidos e feitos
com carinho, todos do tamanho humano… e isso nos faz muito diferentes de nossos
antepassados”2.
Minha investigação sobre o
oikos me fez pensar se a totalidade
daquilo que ganhamos nos últimos duzentos anos ou mais é preferível à
totalidade do que perdemos. Por um lado, temos muito para sermos gratos – ar
condicionado, anestesia e automóveis. Por outro, temos muito a nos preocupar –
bombas atômicas, publicidade sedutora e divórcios fáceis. O que deixava minha
mente perplexa era se o conforto pessoal e a maior mobilidade foram uma boa
troca dada a erosão da coesão social.
Longe de ser uma unidade
econômica, o lar hoje funciona mais como um dormitório e centro de
entretenimento para indivíduos buscando autorrealização. Estudos hoje mostram
que os casais consideram a felicidade pessoal mais importante do que ter
filhos. Apenas um terço das casas norte-americanas possuem filhos e menos de um
quarto das casas consistem em pai, mãe e filhos3. Embora a felicidade pessoal possa justificar o casamento, ela
também facilmente justifica o divórcio. A estatística, hoje, já está desgastada
por causa de sua redundância, mas ainda permanece o fato de que metade de todos
os casamentos nos Estados Unidos terminam em divórcio, e isso também é verdade
em casamentos evangélicos.
Os pastores em igrejas
reformadas talvez concordariam que seus membros enfrentam os mesmos tipos de
dificuldade encontrados fora da igreja – superar a dor de um lar destruído,
equilibrar o trabalho com a família, sobreviver com uma renda menor e gerir uma
dívida pessoal. As famílias de hoje têm poucos pilares de apoio moral fora da
igreja local, e mesmo assim, o suporte muitas vezes é mínimo. Em seu livro An Unexpected Journey, Robert Godfrey
descreve como a perda do senso de comunidade coloca mais pressão na igreja na
provisão de algum tipo de conforto:
A comunidade é ameaçada de várias formas no mundo moderno. A maioria de nós não vive em bairros tradicionais. Ah, nós temos vizinhos, mas na maioria das vezes nós apenas acenamos e não temos qualquer familiaridade com eles. Nenhum senso real de comunidade existe na maioria dos prédios de apartamentos, condomínios e ruas suburbanas. O resultado é muitas vezes um senso de alienação e isolamento. Nossas famílias também, como comunidades, estão em risco nos dias atuais. São tantos os casamentos que terminam em divórcio que muitas vezes a comunidade é partida entre os pais e com relação aos filhos. Mesmo nas famílias que não foram partidas pelo divórcio, a vida superocupada é um problema sério. Seja no trabalho, na estrada, na escola ou nas aulas extracurriculares dos filhos, ou mesmo na igreja, as famílias geralmente têm pouco tempo juntas, exceto, talvez, para assistir TV.4
É o
estupor econômico…
Eu costumava achar que a
falência da família tradicional se devia a uma profunda decadência moral
trazida pela secularização. No entanto, hoje eu acredito que esta é apenas uma
parte do problema. Mais ou menos na mesma época em que me foi indicada a
leitura de The Case for Covenantal Infant
Baptism, outra pessoa me emprestou uma cópia do livro ainda mais subversivo
What Are People For? [Para que Servem as Pessoas? ], de Wendell Berry. No
ensaio Feminism, the Body and the Machine
[“O Feminismo, o Corpo e a Máquina”], o autor agrário afirma que chegamos a uma
situação na qual o casamento não é mais visto como um estado de ajuda mútua
entre dois parceiros.5 O argumento
de Berry é que a mutualidade se torna um ingrediente natural e necessário para
o casamento quando a casa é vista como um local de produção e não apenas
consumo. No entanto, a sociedade moderna atualmente menospreza a mutualidade.
Berry diz, “os homens geralmente foram os primeiros a menosprezá-la quando
saíram de suas casas em prol de salários profissionais ou remunerações por
hora.”6 As mulheres foram as
segundas a menosprezá-la quando saíram pelo mesmo motivo. Berry não deseja
contestar as pessoas, sejam homens ou mulheres, que consideram necessário
trabalhar fora de casa. Ele apenas pergunta se deveríamos considerar isso como
uma situação desejável.
A razão pela qual
consideramos desejável que ambos pai e mãe trabalhem fora de casa pode ter
menos a ver com qualquer menosprezo nosso com relação à família, e mais a ver
com o condicionamento social e econômico. Nossa cultura está completamente
equipada com um tipo de som surround consumista que nos instrui, desde o berço,
a acreditar que nosso maior propósito na vida é ser um perpétuo comprador. Em
seu livro Amusing Ourselves to Death
[Divertindo-nos até a Morte], Neil Postman sugere que o totalitarismo de
“rostos felizes” de Aldous Huxley é uma profecia mais verdadeira que o totalitarismo
de “rostos tristes” de George Orwell. O maior perigo de nossa cultura é que
poderemos ser arruinados pelo que amamos (prazer), ao invés de pelo que odiamos
(dor): “Huxley temia que nos tornássemos uma cultura trivial, preocupada com
alguns equivalentes do cinema sensível, da orgia-folia e da bagatela
centrífuga”7. Foi Huxley quem disse
em Retorno ao Admirável Mundo Novo que os libertários civis e os racionalistas,
os quais estão sempre alertas para opor-se à tirania, “falharam em considerar o
apetite quase infinito do homem por distrações.”8
O orador e historiador
Richard Weaver argumenta em sua obra clássica As Ideias Têm Consequências que o promotor mais efetivo do
materialismo progressivo – mais ainda do que a educação secular – é o Grande
Estereótipo, pelo qual ele se refere ao novo ambiente de informação, ou aquilo
que podemos chamar de mídia contemporânea. Em 1948, quando seu livro foi
publicado, isso incluía a imprensa, a indústria cinematográfica e o rádio (a
televisão ainda não tinha se estabelecido completamente). Weaver diz que a
função combinada desta “máquina” é “projetar retratos selecionados da vida, na
esperança de que aquilo que é visto será imitado”9. A alegação de Weaver é que a mídia é o meio tecnológico pelo
qual estereótipos são multiplicados, de forma que tenhamos a certeza constante
de que o objetivo da vida seja a felicidade pessoal através da manutenção do
conforto. As vozes e os rostos que ocupam a mídia nos dizem que tudo ficará
bem. O apresentador está sorridente e otimista mesmo quando as notícias são
ruins. Hoje, o comercial que segue a notícia do jornal – mesmo uma notícia
horrível – continua a nos dizer para continuar comprando. Weaver diz que os
proprietários do Estereótipo sabem o que querem e o que estão fazendo: “Eles
estão protegendo uma civilização materialista com um crescente senso de
insegurança e pânico, à medida que a consciência é filtrada de coisas que estão
sobre um abismo.”10 Embora o Grande
Estereótipo pareça nos tornar cidadãos informados, ele na verdade nos isola da
sabedoria ao frustrar nossa contemplação do fluxo da história. A falta de
reflexão sobre o passado e o recuo da memória que ele nos impõe nos mantém em
um tipo de transe hipnótico, de forma que não podemos nos lembrar de quem fomos
outrora.
Não podemos mais nos
lembrar de quando a vida era conectada ao lar ou quando comunidades eram
organismos vivos. Uma exposição inicial de autores como Berry ou Weaver a
alguém pode causar uma reação de negação; uma resposta que reconhece os
benefícios de famílias e comunidades fortes, mas que nega que a economia tenha
qualquer relação com as suas falências. Há dois obstáculos que nos impedem de
ver aquilo que Berry e Weaver estão dizendo. Em primeiro lugar, nós equiparamos
nosso atual sistema econômico à liberdade e à virtude. E em segundo, nós
acreditamos que a única alternativa ao nosso sistema econômico atual seja o
socialismo ou o comunismo. No entanto, ambas as premissas estão erradas.
Consumismo,
capitalismo e distributismo
Nós raramente paramos para
pensar que nosso sistema econômico atual pode, na verdade, estar produzindo
pessoas menos virtuosas e, ao mesmo tempo, retardando a verdadeira liberdade. A
Aliança de Evangélicos Confessionais denunciou, de forma eloquente e fiel, a
crassa mentalidade consumista que causou tantos estragos na igreja evangélica.
No entanto, qual seria seu efeito geral na cultura? O que é ruim para um é
igualmente ruim para o outro. O consumismo é uma filosofia materialista na qual
o bem comum é reduzido à aquisição de serviços e bens. Além disso, ele se
baseia no crescimento ilimitado – uma proposição de “expanda ou morra”, que não
irá parar enquanto todos os recursos não forem sugados da terra em detrimento
das gerações futuras. Se todos se tornassem o tipo de consumidor existente nos
Estados Unidos, precisaríamos, para nos sustentar, de sete vezes mais que os
finitos recursos que temos conhecimento de existirem na Terra.11 As virtudes do amor, alegria, paz,
paciência, amabilidade, generosidade, mansidão e domínio próprio têm pouco a
ver com a manutenção do consumismo, no entanto, tais virtudes têm tudo a ver
com famílias e comunidades saudáveis.
O consumismo, é claro,
está conectado a muitas de nossas noções de capitalismo, e, para muitas
pessoas, criticar qualquer aspecto do capitalismo é como questionar um dos
milagres dos Apóstolos. Muitos cristãos, de alguma forma, pensam que Moisés
estabeleceu o capitalismo no Monte Sinai, quando, de fato, ele não foi o
sistema econômico predominante no Ocidente até o século XIX. Na verdade, o
capitalismo moderno geralmente se manifesta na concentração de riqueza em
monopólios poderosos, o que ironicamente tem a tendência de esmagar a livre
iniciativa. É por isso que a agricultura familiar e os vendedores autônomos não
prosperam em sociedades capitalistas. E é por isso que G. K. Chesterton
gracejou: “Capitalismo demais não significa capitalistas demais, mas
capitalistas de menos. ”
Chesterton e seu
contemporâneo Hilaire Belloc argumentaram que o capitalismo moderno é uma força
instável e em conflito com as teorias morais da liberdade. Basta simplesmente
ler um romance de Charles Dickens para termos uma noção do capitalismo
desenfreado. Por volta do começo do século XX, tornou-se reconhecido que o
capitalismo monopolista precisava ser limitado por leis e programas conduzidos
pelo Estado, de forma a garantir sua estabilidade. Assim, os grandes negócios e
os grandes governos acabam trabalhando conjuntamente para formar aquilo que
Belloc chamou de “Estado Servil”, no qual uma maioria de trabalhadores
não-proprietários e sem liberdade trabalham para o prazer de uma minoria
proprietária e livre.
Chesterton e Belloc
defenderam um sistema econômico de “terceira via” chamado distributismo, o qual
não deve ser confundido com o socialismo ou o comunismo, sistemas que também
concentram riqueza e poder nas mãos de poucos. O distributismo é uma filosofia
econômica que vê o vasto uso da propriedade particular produtiva como o sistema
econômico mais desejável para garantir a verdadeira liberdade e prosperidade.
Uma versão norte-americana do distributismo pode ser percebida na visão de
Thomas Jefferson da sociedade agrária. Uma versão russa do distributismo está
refletida na “democracia dos lugares pequenos” de Alexander Solzhenitsyn.
Adotar um arranjo econômico de terceira via não significa voltar à pobreza da
Idade Média ou que todos nós precisemos pegar no arado novamente. A
distribuição tem mais a ver com criar um ambiente humano e vivo, o qual é
economicamente descentralizado, esteticamente agradável, e tecnologicamente
ponderado. O distributismo é essencialmente um microcapitalismo humano, uma
reversão às economias regionais e de comunidades. A terceira via defende o
lugar da família no centro da sociedade, ao invés do indivíduo. Rod Dreher diz
em seu livro Crunchy Cons que o pequeno, local e antigo deve ser preferido ao
grande, global e novo. “Nós afirmamos a superioridade do livre mercado como um
princípio econômico organizador”, explica Dreher, “mas acreditamos que a
economia precisa ser feita para servir os melhores interesses da humanidade, e
não o contrário.”12
A tese
de Weber revisitada
O assunto da economia
doméstica não estaria completo sem alguma discussão sobre a chamada “Tese de
Weber”. O sociólogo Max Weber foi cuidadoso ao definir o que ele queria dizer
com capitalismo, algo que afirma sempre ter existido, mas que nos últimos dias
se tornou a ordem econômica predominante no Ocidente. O capitalismo, diz ele, é
a busca do lucro pelos meios sistemáticos do empreendimento racional e
contínuo.13 Weber acreditava que a
organização de uma força de trabalho livre é o que distinguia o antigo
capitalismo do novo, e dizia que o novo capitalismo não seria possível sem dois
fatores: a separação entre o trabalho profissional e o lar e a contabilidade
racional que mantinha os olhos atentos na última linha das contas. A Tese de
Weber assevera que, para que o capitalismo se tornasse a força econômica
predominante, ele teve que deixar para trás o sentimento religioso, o qual no
passado desaprovou a acumulação sistemática de riqueza. Elementos dentro do
protestantismo, especificamente a visão calvinista do chamado vocacional,
ofereceram as sanções religiosas e psicológicas necessárias para justificar o
trabalho produtivo racional.
O método de investigação
de Weber, que tem sido criticado como não-científico, não o permite estabelecer
uma relação direta, de causa e efeito, entre o Protestantismo e o capitalismo,
mas nem ele chegou a afirmar exatamente isso. Certamente, além da visão de
Calvino sobre o trabalho, houve outros fatores importantes que invocaram o
espírito do capitalismo. Por exemplo, Weber não menciona o papel da imprensa
escrita como um protótipo da produção em massa. Não obstante, o espírito
capitalista já estava presente em Veneza e Florença no século XIV e em
Antuérpia no século XV.14 Weber nem
mesmo sugere que os primeiros reformadores eram capitalistas. Pelo contrário,
nem Lutero e nem Calvino aprovavam a busca mundana por riqueza. O que Weber
aborda é o etos do protestantismo, e como uma visão particular de chamado
ajudou a legitimar o trabalho livre antes dos movimentos democráticos maiores
nos Estados Unidos e Europa.
O ensino de Lutero sobre
vocação era distintivo porque sustentava que todo trabalho, e não só o trabalho
do clero, poderia ser um chamado divino. O calvinismo também abraçou esta
visão, mas teve seguidores que colocaram uma ênfase maior na noção de que todos
devem trabalhar em seus chamados. Esta era uma diferença sutil, mas importante.
Enquanto a contribuição de Lutero ao chamado vocacional enfatizava o papel da
providência por trás do nascimento e posição social, o calvinismo veio a
enfatizar o trabalho produtivo e o pecado da ociosidade. Weber diz que a
perspectiva de Lutero possuía pouca potência transformacional porque ainda era,
essencialmente, uma visão tradicionalista de chamado. Alguém poderia nascer em
uma posição pobre, permanecer ali e ainda assim ser encontrado na vontade
soberana de Deus. Mas, para o calvinista, a admoestação de Paulo de que “aquele
que não trabalha, que também não coma” significou que a ociosidade era um
sintoma de falta de graça.
Weber aponta que, no mundo
medieval, as palavras de Paulo sobre o trabalho foram amenizadas. Tomás de
Aquino interpretou a admoestação de Paulo como se referindo à forma natural na
qual o indivíduo e a comunidade se sustentavam; tratava-se de um princípio, ao
invés de uma ordem estrita.15 Por
outro lado, nos Estados Unidos, nós ainda usufruímos do capital emprestado de
nossa ética de trabalho protestante e, consequentemente, ela domina todo o
impulso utilitarista da economia moderna. A escritora e vencedora do prêmio
Pulitzer Marilynne Robinson, uma calvinista, acusa este novo etos ao comentar
de forma astuta: “Recentemente, dizem-nos vez após vez que nossos educadores
não estão preparando a juventude norte-americana para serem trabalhadores
eficientes. Trabalhadores. Esta linguagem é agora tão comum entre nós que um
extraterrestre poderia pensar que nós, na verdade, perdemos a Guerra Fria.”16
Isso não quer dizer que a
vida regimentada não podia ser encontrada no mundo medieval, mesmo como um
dever espiritual, pois ela existia dentro dos mosteiros. O catolicismo manteve
a vida ativa e racional à distância através da vida ascética do monge. No entanto,
sob a visão protestante de vocação, a ênfase na atividade acabaria, no fim,
minimizando a noção de lugar. Para puritanos como Richard Baxter, não importava
se o trabalho estivesse conectado ao lar ou fosse encontrado na fábrica,
contanto que o indivíduo permanecesse ocupado e produtivo. Weber nota como
Baxter expressou, mais de uma vez, aquilo que se tornaria a apoteose da divisão
do trabalho, descrita por Adam Smith, na qual a especialização das ocupações
aumentaria a produção, servindo, portanto, ao bem comum, o qual era quase igual
ao bem do maior número de pessoas possível. Weber aponta que a perspectiva
utilitária de Baxter era consistente com a literatura secular que, em seu
tempo, promovia o capitalismo.17
Weber apresenta os
argumentos comuns dirigidos contra a doutrina da predestinação de Calvino, a
qual ele considera o elemento mais importante dentro dos esforços políticos e
culturais dos séculos XVI e XVII. Ele considera a doutrina extremamente
desumana e sugere que ela deve ter tido o efeito de produzir nos indivíduos
sentimentos de uma solidão interior sem precedentes.18 De alguma forma ele presume que os calvinistas passavam a maior
parte de seu tempo em um estado de desespero, incertos, dia após dia, se eles
eram um dos eleitos de Deus. Uma análise mais cuidadosa do ensino de Calvino
mostraria, no entanto, que o reformador mantinha uma certa antinomia em relação
à vontade humana e a soberania divina, e que a predestinação estava mais para
um enigma sem solução do que um simples determinismo ou fatalismo. O
entendimento de Weber acerca da soteriologia calvinista levaria à conclusão de
que a certeza da salvação vinha apenas através da evidência objetiva de boas
obras. No entanto, Weber negligencia as certezas mais subjetivas e pessoais,
ensinadas por Calvino, como a fé, professada no coração, em um Deus benevolente
e o amor genuíno pela igreja. Sua visão torcida da doutrina da predestinação o
forçava a concluir que os calvinistas estavam no mesmo barco de Franklin,
afirmando que Deus ajuda aqueles que ajudam a si mesmos. Weber exagera seu caso
ao dizer que o trabalho produtivo era, para o puritano, a prova “mais evidente”
de sua salvação.19
No entanto, o juízo
errôneo de Weber sobre a doutrina da predestinação e os efeitos que ele
pressentia que eram produzidos na mente dos puritanos ainda assim não diminui a
credibilidade de sua tese mais ampla – a de que a visão calvinista de chamado
exerceu um papel fundamental na justificação ética do trabalho livre. A tese de
Weber, assim como o próprio calvinismo, facilmente pode ser reduzida a uma
caricatura, de forma que, se exposta de forma breve, pode levar alguém a pensar
que os reformadores pregavam em seus púlpitos a obtenção de riquezas, ou que se
alegrariam se vissem o consumismo de nossos dias. Weber admite francamente que
esse não é o caso; foi uma segunda geração de calvinistas que foi compelida a
depositar sua bênção no trabalho especializado, e apenas depois do fervor do
puritanismo ter morrido é que o mundanismo utilitário apareceu, permitindo ao
capitalista contemporâneo dizer que a ambição é boa.
Tenha em mente que esta
pequena análise de Weber vem de um calvinista, mas que também vê um valor
significativo na teoria social católica romana, a qual, a propósito, os
calvinistas deveriam prestar mais atenção, senão mesmo abraçá-la por completo,
especialmente quanto aos princípios de familiarismo, subsidiariedade e
solidariedade. O capitalismo teria provavelmente surgido sem qualquer apoio do
clero protestante, e por isso não precisamos apontar o dedo tão rapidamente na
direção de Calvino. O Iluminismo favoreceu a inovação e a mudança tanto quanto
a Reforma; senão até mais. Não poderíamos dizer, também, que o Primeiro Grande
Despertamento e, com força ainda maior, o Segundo Grande Despertamento, abalaram
a vida paroquial e comunal, sendo eles mesmos conduzidos com um espírito de
progresso, influenciado fortemente pelo Iluminismo e industrialismo?20 Certamente o capitalismo favoreceu –
e de fato foi feito por – protestantes trabalhadores que amavam suas famílias,
construíam comunidades e praticavam as virtudes de domínio próprio, mas, a
partir do desenvolvimento norte-americano, houve o surgimento desse gene
assassino que faria da acumulação de riquezas o valor padrão enquanto se
desvaneciam os valores espirituais e estéticos. Carl Trueman, professor de
Teologia Histórica e História da Igreja no Westminster
Theological Seminary, resumiu a trajetória do capitalismo da seguinte
forma: se a tese de Weber estiver correta, o melhor que pode ser dito é (colocando
de forma bastante geral): (a) o protestantismo super-impulsionou o capitalismo;
(b) o capitalismo alimentou o consumismo; e (c) o consumismo considerou
desnecessários – senão até mesmo como obstáculos extremamente inconvenientes ao
crescimento – os valores que alimentaram (a) e, assim, de forma devagar, mas ao
mesmo tempo segura, os reduziu a nada.”21
Parceiros
e parceiras
Se a economia doméstica
fosse revitalizada, isso significaria que homens, mulheres e crianças passariam
mais tempo em casa. Para a mentalidade moderna, a admoestação de que as
mulheres deveriam ser “donas de casa”22
é tanto opressiva como degradante – opressiva porque relega as mulheres a uma
antiga esfera da qual elas foram libertadas; degradante porque o “trabalho
doméstico” moderno, como algumas vezes é dito, requer uma inteligência mínima.
A historiadora Ruth Schwartz Cowan aponta em More Work for Mother que o termo “trabalho doméstico” não teria
sentido algum para um pré-moderno uma vez que, antes da Revolução Industrial,
todo o trabalho era feito em torno do lar.23
Os termos housewife e husband entraram para a linguagem
inglesa por volta do século XIII e se referiam ao trabalho que era feito nas
residências. A palavra husband é
derivada de hus, que significa house (casa), e band, que significa bonded
(ligado). Tanto o marido como a esposa estavam ligados à terra. O marido estava
ligado porque possuía o título. A esposa estava ligada através do casamento com
seu marido. Da mesma forma, o termo husbandry
se refere a alguém que trabalhava na terra que rodeava a casa.
Antes da industrialização,
o marido e os filhos participavam das tarefas do lar, especialmente no trabalho
que trazia comida à mesa. Conforme já apontamos, este trabalho era recíproco:
“as mulheres ajudavam os homens nos campos e os homens ajudavam as mulheres com
a alimentação do lar. Maridos e filhos ajudavam as esposas a cozinhar e assar
ao cortar lenha, descascar milho, transformando grãos em farinha, recolhendo
carvão, e fazendo salsichas,”24 mas
com a introdução de novas tecnologias no século XIX, como o fogão de ferro
fundido, o moinho de farinha automático e a comida e roupa industrializadas, o
trabalho do marido e dos filhos se tornou menos necessário. O marido encontrou
o trabalho assalariado nas cidades e as tarefas dos filhos diminuíram com o
tempo. Na verdade, o trabalho das mulheres no lar aumentou durante o século
XIX, mesmo embora as famílias estivessem comprando dispositivos que poupavam
esforço. Por volta de meados do século XX, as mulheres estavam sendo atraídas
para fora do lar, assim como os homens já tiveram sido séculos atrás. E embora
elas agora possuíssem trabalhos assalariados, ainda assim esperava-se que elas
fizessem o “trabalho doméstico” quando chegassem em casa. A despeito de todas
as sirenes dizendo que ela tinha que ser libertada do lar, havia mais trabalho
para a mãe do que nunca. Felizmente, quando surgiram o jantar na frente da TV,
o micro-ondas e o restaurante fast-food,
seu fardo foi aliviado, embora a custo de que o sabor da comida, e a companhia
ao redor da mesa, fossem comprometidos.
As mulheres libertadas de
seus lares tornaram-se subservientes a seus chefes. Embora a observação de
Chesterton seja anterior ao êxodo ocorrido uma geração depois de seu tempo, ela
capturou uma das grandes ironias associadas ao movimento das mulheres em
direção ao mercado de trabalho: “Dez mil mulheres marcharam pelas ruas de
Londres dizendo que não seriam obrigadas, e então saíram para se tornar
estenógrafas.”25 Nosso igualitarismo
radical nos faz fugir da palavra “submissão”, mesmo que ela ainda possa ser
encontrada em todos os níveis da sociedade, desde o governo até o mundo
corporativo e a igreja. A hierarquia está presente na ordem criada e não
precisamos negar sua funcionalidade ou sua presença, especialmente no lar. O
ensino bíblico, o qual baseia-se na ordem criada, afirma que é bom e correto
que as esposas sigam a liderança de seus maridos. A submissão ocorre idealmente
no contexto de uma verdadeira parceria, na qual o marido valoriza a companhia e
conselho de sua esposa e a esposa valoriza a liderança de seu marido.26
A mulher virtuosa de
Provérbios 31 é uma mulher do oikos e seu trabalho dificilmente pode ser
considerado opressivo ou degradante. O coração de seu marido confia nela, pois,
sem sua contribuição heroica, a casa seria arruinada. Ela busca lã e linho e de
bom grado trabalha com as mãos. Ela acorda quando ainda é noite, dá mantimento
à sua casa e a tarefa às suas servas. Ela examina uma propriedade e adquire-a.
Ela abre sua mão ao pobre. Ela faz roupas de linho fino e vende-as. Ela entrega
cintas aos mercadores. Sabedoria e bondade estão em sua língua. Ela atende ao
bom andamento da sua casa. Ela não come o pão da preguiça. Seus filhos
levantam-se e lhe chamam ditosa. Seu marido a louva. Esta é uma mulher
trabalhadora, mas sua devoção e lealdade residem naquilo que está próximo delas
– esposo, filhos e o lugar de habitação. Há uma beleza inegável nesta afeição,
uma vez que não estejamos cegos pela falsa noção de que chefes, secretárias e
babás são preferíveis a pais e mães. Não estou dizendo que as mulheres deveriam
estar em casa como um imperativo categórico, da mesma forma que não estou
dizendo que os homens deveriam estar em casa como um imperativo categórico. O
que deveria chamar nossa atenção na questão do trabalho das mulheres fora de
casa são as necessidades dos filhos e o grande potencial de diversidade que
pode ser encontrado ao se administrar uma casa.
Podemos encontrar mais
iluminação sobre a mulher do lar na instrução de Paulo a Timóteo sobre a
questão das viúvas. Logo depois de Paulo apresentar as qualificações de uma
viúva digna de honra e definir seu limite de idade, ele aconselha as jovens
viúvas a casarem-se, terem filhos e administrarem seus lares. Ao fazerem isso,
elas não darão ao inimigo (Satanás) uma ocasião para maledicência.27 Paulo está oferecendo um ideal para
a mulher cristã, um ideal que tem sua plena realização no contexto de uma
economia doméstica na qual os membros da família são produtores e não apenas
consumidores. Da mesma forma, quando o salmista diz “Tua esposa, no interior de
tua casa, será como a videira frutífera; teus filhos, como rebentos da
oliveira, à roda da tua mesa,”28 a
metáfora agrária não é estranha para o hebreu, que cultivava uma horta ou
jardim próximos à sua casa. A metáfora oferece um quadro da natureza orgânica
do lar, no qual trabalho, educação e diversão existem juntos no mesmo lugar.
É interessante como o Shema Yisrael –
considerada a passagem mais importante da Torá – está conectado ao lar:
Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.29
Criar uma família é uma
tarefa intimidadora quando uma cultura agressiva e onipresente tem mais
influência sobre os filhos do que seus pais. As crianças estão aparentemente
desprotegidas dos interesses corporativos, buscando seduzir o pequeno Johnny a
se tornar um consumidor ativo antes mesmo de pronunciar suas primeiras
palavras. O que os compostos químicos estão fazendo em seu corpo em crescimento
é algo incerto. Ele ainda não é um adolescente, mas ainda assim corre o risco
de ficar obeso. Nós não sabemos com certeza aquilo que os currículos
(intencionais ou não intencionais) o estão ensinando na escola. Ele passa mais
tempo com mídia eletrônica do que na presença de professores e pais. Imagens de
sexo e violência estão a um clique. Ele permanece sentado, absorvido pela tela,
e, não importa o quanto tentemos, não conseguimos tirá-lo de lá. Alguém ou algo
o raptou. Não é de se admirar que John Bakan, um professor de Direito da
Universidade de British Columbia, escreve em um artigo de opinião do New York
Times: “Há razões para acreditar que, hoje, a própria infância esteja em
crise.”30
Se o lar não é nada mais
do que um dormitório temporário e um centro de entretenimento, então, sim, o
trabalho doméstico requer pouca inteligência e pode até mesmo ser considerado
degradante. Mas, e se o lar fosse um lugar de produção? E se ele fosse um lugar
no qual os filhos recebessem sua educação inicial? E se ele fosse um lugar no
qual os pais idosos vivessem seus últimos anos? Que tipo de inteligência seria
necessária para se administrar esse tipo de lar? Novamente, Chesterton nos
lembra que, ao limitarmos parcialmente e protegermos as mulheres da rotina de
trabalho fora do lar, elas poderiam ter cinco ou seis profissões e desempenhar
um papel em uma centena de negócios. Ele diz, “Isso é o que, desde o princípio,
foi a intenção daquilo que hoje é chamado de isolamento ou mesmo opressão das
mulheres. As mulheres não eram mantidas em casa para serem restringidas; pelo
contrário, elas eram mantidas em casa para serem ampliadas.”31
Um reavivamento da
economia doméstica requer não apenas grandes mulheres, mas também grandes
homens. Ao invés de tentar fugir da realidade material do mundo tangível,
abraçando as forças obscuras do mercado globalizado, nós deveríamos estar
trazendo as coisas para mais perto do lar, onde podemos colocar as nossas mãos.
Matthew Crawford diz em um excelente livro, Shop
Class as Soulcraft, que precisamos novamente “sentir que nosso mundo é
inteligível, de forma a conseguirmos ser responsáveis por ele.”32 A atual crise econômica nos deveria
fazer reconsiderar nossos pressupostos sobre uma disposição na qual ninguém
parece ser capaz de compreender qualquer coisa. Crawford diz, “A pergunta sobre
o que seria um bom trabalho – sobre que tipo de trabalho é tanto seguro como
digno de honra – está mais aberta hoje do que ela foi por muito tempo.”33 Ele reivindica a revitalização dos
ofícios manuais, artesanatos e auto dependência. Crawford acredita que o amor à
vocação pode ser mais uma vez encontrado ao trabalharmos com nossas mentes e
nossas mãos em conjunto.
Nem todos podem ou desejam
se tornar fazendeiros ou donos de loja, mas o microcapitalismo se baseia em
mais pessoas se tornando seus próprios chefes, mesmo que isso signifique que os
negócios sejam de propriedade conjunta e operados por um grupo de pessoas
formando cooperativas. Jefferson acreditava que a existência de muitas
propriedades produtivas tornava a democracia mais segura, uma vez que produzia
cidadãos com um grande interesse de participar. Ao invés de buscarmos uma
sociedade na qual a riqueza e o poder estejam concentrados nas mãos de poucos –
o que só leva à exploração e alienação – a necessidade do momento é
encorajarmos o desenvolvimento de mais empreendimentos autossuficientes. Isso
mantém sob controle o poder estatal e corporativo e, ao mesmo tempo, fortalece
as famílias e comunidades locais.
Tudo isso é muito simples
de entender; mas é muito mais difícil implementar. Os poderes atuais têm
interesse em manter seu poder e não será uma tarefa fácil compeli-los a
deixá-lo. Mas, se é inevitável que tenhamos um sistema econômico no qual ambos
os cônjuges trabalhem, então precisamos pelo menos tentar manter as famílias e
comunidades unidas, permitindo que os lucros cheguem até elas. Como Allan C.
Carlson explica, isso se faz com iniciativas que incentivam a descentralização
e proteção das entidades econômicas menores, com a família sendo a principal
delas.34 De acordo com Carlson,
algumas ideias para uma política governamental que favorecesse a família natural
incluiriam a reintrodução do conceito de “culpa” nas leis de divórcio, a visão
do casamento como uma parceria econômica total, a expansão de isenções de
imposto de renda e créditos fiscais para famílias com filhos, o reconhecimento
do benefício social de famílias grandes, a proteção da educação domiciliar, a
desconsolidação de escolas públicas em distritos escolares autônomos, o
abrandamento de leis que restringem empreendimentos e escolas familiares, o fim
de regulações centralizadoras para profissões em direito e medicina, de forma
que elas se favoreçam de outros tipos de arranjos como relações entre mestre e
aprendiz, a reestruturação dos sistemas de seguro de saúde e previdência social
através de créditos fiscais que favoreçam a gravidez e o cuidado de idosos
centrado na família e o fortalecimento dos direitos paternos em relação aos
filhos.35
Transformar
a cultura no quê?
Eu não coloco minha defesa
do reavivamento da economia doméstica sob os auspícios da Grande Comissão
porque não acredito que seja responsabilidade da igreja afetar,
intencionalmente, a mudança social em ações políticas ou econômicas. De forma
intencional, isso não está sob jurisdição da igreja; mas de forma não
intencional, a igreja obviamente afeta a mudança social. A revitalização do
oikos deveria ter o efeito de fortalecer a unidade familiar, o que, por sua
vez, iria fortalecer nossas igrejas.
D. A. Carson faz distinção
entre as responsabilidades da “igreja” e as responsabilidades dos “cristãos” em
seu livro Cristo & Cultura: Uma Releitura.36 A igreja é onde o evangelho é pregado fielmente, onde os
sacramentos são observados de forma correta e onde a disciplina corporativa
piedosa é operada. Os cristãos, como benfeitores do ministério do evangelho,
servem a Deus em suas várias vocações, como sal e luz em um mundo corrupto e,
como nos dias de Jeremias, fazem o bem no lugar onde vivem.37 Reviver a economia doméstica é um ideal que vale a pena sob o
mandato cultural, ou seja, a obrigação da humanidade de ser fértil e se
multiplicar, e exercer o domínio sobre a terra.38
Eu rapidamente aprendi nos
círculos reformados que os cristãos deveriam estar transformando a cultura para
Cristo. Mas logo comecei a questionar o telos
da proposta. Transformar a cultura no quê? Como seria a cultura se os cristãos
a transformassem? Carson está correto ao dizer que existe alguma verdade em
cada uma das categorias de Richard Niehbur sobre o relacionamento do cristão
com a cultura, incluindo separar-se dela, sintetizá-la, colocar-se acima dela,
entrar em paradoxo com ela, e transformá-la. Se há algum mérito no aspecto
transformacional do mandato cultural, então que tarefa melhor não haveria senão
fortalecer nossos lares, igrejas e comunidades locais? (Novamente, esta questão
não significa desvalorizar o valor supremo de proclamar o evangelho. E
certamente o evangelho possui valor transformacional em si.)
Eu não estou sugerindo que
haja uma sociedade particular ou sistema econômico mais adequado ao
cristianismo. A igreja tem prosperado em todos os tipos de sociedades e sob
todos os tipos de condições econômicas. O que eu quero sugerir é que há um tipo
de sociedade e um tipo de sistema econômico, de uma perspectiva histórica, que
estão em mais harmonia com as teorias morais da liberdade, que refletem melhor
a ordem criada e que são mais adequados à família. Nada acerca de nossa
democracia participativa deveria nos prevenir de buscarmos sair de uma
disposição disfuncional e nos mover em direção a algo melhor; aliás, o nosso
sistema precisa disso. Embora existam distinções
claras entre a Grande Comissão e o mandato cultural, isso não significa que os
dois reinos não deveriam nunca se encontrar. Eles de fato se encontram quando
uma igreja local inaugura uma escola cristã. Uma tentativa de estabelecer a vida
eclesiástica em torno de bairros é uma área na qual tanto o mandato cultural
como o evangelístico podem ser cumpridos juntamente – mas com cuidado.
Andy Crouch argumentou que
os cristãos não deveriam apenas se dar à tarefa de condenar a cultura e nem de
copiar a cultura. Pelo contrário, deveríamos estar criando cultura.39 Na peça
de Shakespeare, Henrique V, o rei da Inglaterra, após subjugar a França,
sussurra gentilmente no ouvido de sua princesa prometida: “Querida Kate, você e
eu não devemos nos confinar à fraca lista dos costumes do país: nós somos os
criadores de costumes…”
Reviver a economia doméstica é um ato de
criação no qual fazemos as coisas novas.
__________________________
*Arthur
W. Hunt III é professor associado de comunicações na Universidade do Tennessee
em Martin. Seu trabalho tem sido publicado na Touchstone, Salvo, Modern Age,
The Christian Research Journal, Explorations in Media Ecology, entre outras
publicações. É autor dos livros The Vanishing Word: The Veneration of Visual
Imagery in the Postmodern World e Surviving Technopolis: Finding Balance in Our
New Manmade Environments.
**Trecho
extraído da obra Surviving Technopolis: Essays on Finding Balance in our New
Man-Made Enviroments, de Arthur W. Hunt III, Pickwick Publications, p. 77-92.
Traduzido por Fernando Pasquini Santos e revisado por Tiago Alexandre da Silva.
Publicado, originalmente aqui.
NOTAS:
1
Salmo 128.3, RA.
2
Peter Laslet, The World We Have Lost (New York: Scribner’s, 1966), 21.
3
U.S. Bureau of the Census, America’s Families and Living Arrangements, conforme
citado em Janet Flammang, Taste for Civilization: Food, Politics, and Civil
Society (Urbana: University of Illinois Press, 2009), 44.
4
W. Robert Godfrey, Experiencing a Congregation, Psalm 84, em An Unexpected
Journey: Discovering Reformed Christianity (Phillipsburg, NJ: P&R, 2004),
29.
5
Wendel Berry, Feminism, the Body, and the Machine. Em What Are People For?
Essays (New York: Pantheon, 1993), 178-96.
6
Ibid., 181.
7
Neil Postman, Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show
Business (New York: Penguin, 1985), vii.
8
Citado em ibid., viii.
9
Richard M. Weaver, Ideas Have Consequences (Chicago: University of Chicago
Press, 1984). Publicado no Brasil como As Ideias Têm Consequências (São Paulo:
É Realizações, 2012).
10
Ibid., 106.
11
Veja C. Dernbach, In Focus: WTO and Sustainable Development
(www.foreignpolicy-infocus.org), conforme citado em Joseph Pearce, Small is
Still Beautiful: Economics as if Families Mattered (Wilmington, DE: ISI, 2006),
57-58.
12
Veja Rod Dreher, Crunchy Con Manifesto, em Crunchy Cons (New York: Crown Forum,
2006), 1-2.
13
Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism (Reprint, New
York: Scribner’s, 1958). Publicado no Brasil como A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo, 17.
14
Veja Translator’s Preface, em ibid., 7.
15
Veja ibid., 159.
16
Marilynne Robinson, When I Was a Child I Read Books (New York: Farrar, Strauss
& Giroux, 2012), 24.
17
Weber, 161.
18
Veja ibid., 104.
19
Veja ibid., 172.
20
D. G. Hart defende esta ideia em Wendell Berry’s Unlikely Case for Conservative
Christianity, em The Humane Vision of Wendell Berry, editado por Mark T.
Mitchell e Nathan Schuleter (Wilmington, DE: ISI, 2011), 141-44.
21
Carl Trueman, Weber Again, Reformation 21, 21 de novembro de 2006. Online:
http://www.reformation21.org/blog/2006/11/weber-again.php
22
Tito 2.5, RA.
23
Veja Ruth Schwartz Cowan, More Work for Mother: The Ironies of Household
Technology from the Open Hearth to the Microwave (New York: Basic Books, 1983).
24
Flammang, Taste for Civilization, 44.
25
Veja Michael Ffinch, G. K. Chesterton (Cambridge: Harper & Row, 1986), 180.
26
Andreas J. Köstenberger, God, Marriage and Family: Rebuilding the Biblical
Foundation (Wheaton, IL: Crossway, 2004). Publicado no Brasil como Deus,
Casamento e Família (São Paulo: Vida Nova, 2011), 73
27
1 Timóteo 5.14, RA.
28
Salmo 128.3, RA.
29
Deuteronômio 6.4-9, RA.
30
Joel Bakan, The Kids Are Not All Right, New York Times, 21 de agosto de 2011,
parágrafo 2. Online:
http://www.nytimes.com/2011/08/22/opinion/corporate-interests-threaten-childrens-welfare.html
31
G. K. Chesterton, Emancipation of Domesticity, em What’s Wrong With the World,
(1910 Reprint, New York: Simon & Brown, 2011) 128. Publicado no Brasil como
O Que Há de Errado com o Mundo (Campinas, SP: Ecclesiae, 2013)
32
Matthew B. Crawford, Shop Class as Soulcraft: An Inquiry into the Value of Work
(New York: Penguin, 2009), 8.
33
Ibid., 9.
34
Veja Allan C. Carlson e Paul T. Mero, A Natural Family Policy, em The Natural
Family: A Manifesto, 189-207 (Dallas: Spence, 2007).
35
Carlson e Mero definem a família natural como “a união de um homem e uma mulher
através do casamento com o propósito de compartilhar amor e alegria, propagar
filhos, prover sua educação moral, construir uma economia doméstica vital,
oferecer segurança em tempos difíceis, e conectar gerações,” em ibid., 13.
36
Veja D. A. Carson, Christ & Culture Revisited (Grand Rapids: Eerdmans,
2008), 151-52. Publicado no Brasil como Cristo & Cultura: uma Releitura
(São Paulo: Vida Nova, 2012).
37
Jeremias 29.1-7, RA.
38
Gênesis 1.26-30, RA.
39
Andy Crouch, Culture Making: Recovering Our Creative Calling (Downers Grove,
IL: IVP, 2008).
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